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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A QUESTÃO DA TRINDADE

Há no meio cristão um debate sobre a composição da divindade que se arrasta ao longo dos séculos.  Uns defendem o monoteísmo e outros, a trindade.
Já vi absurdos na tentativa de explicar ou defender a crença trinitariana. Já vi curiosas tentativas de justificá-la. Uma delas consiste em  usar um princìpio matemático. Dizem os que a defendem que assim como 1x1x1=1 então a trindade (que significa três pessoas em uma só divindade) faz sentido. Só não explicaram porque não usam o princípio da adição onde 1+1+1=3. Tais explicações parecem-me carente de sentido, desprovidas de qualquer significado ou necessidade.
Já vi unitarianos zombando dos trinitarianos e dizendo que eles adoram  um deus com três cabeças. Para que serve esse tipo de provocação? Alguém já viu a divindidade? Foi consultado por ela? Teve acesso aos seus mistérios, paradoxos, potenciliadades ou sistema de organização?
De qualquer forma tenho pensado ser este debate sobre a divindade um tanto inútil, do ponto de vista prático.
Ele deve ser muito interessante do ponto de vista teórico, para um estudioso da  Teologia. Os teólogos precisam especular, no sentido de conjecturar, e procurar explicações para as suas especulações. São essas especulações que dão sentido à atividade do teólogo. É isso que justifica a sua existência como estudioso de uma matéria. Um estudioso que não especula, que não vai além do que está posto, não pode ser considerado um intelectual. Portanto, nada contra as especulações sobre a divindade desde que se explicite que se trata de uma espaculação, desde que as suas conclusões não sejam postas como base para julgamento de seres humanos. Desde que não usem suas conclusões para segregar, para punir ou dividir.
Minha conclusão é que o leigo que não tiver interesse nesses debates não precisa perder tempo com eles. Penso que a salvação de alguém não está condicionada à compreensão desse assunto.Vejamos algumas razões:
Em primeiro lugar porque Deus não condicionou a salvação a essa compreensão. Encontramos evidências disso na história sagrada.
Quando Deus resolveu constituir uma nação teocrática foi buscar um homem, Abraão, criado no politeísmo (Js 24:2) e depois um povo (os escravos israelitas no Egito) constituído em um ambiente também politeísta. Quando o povo chegou no deserto do Monte Sinai Ele procurou mostrar-lhe que não precisaria mais de  muitos deuses; que um Deus seria suficiente. Para isso fez chover fogo, mandou maná, produziu relâmpagos e trovões (Êx 19: 18,19). Sua intenção era  mostrar ao povo que o politeísmo era uma redundância, que não precisariam de um deus para cada  fenômeno natural (chuva, seca, fertilidade, trovão, etc.), que bastaria um Deus competente, isto é, com qualidade moral e ética, com força, inteligência, criatividade e controle suficientes para dominar  a natureza, orientar os relacionamentos humanos e criar instituições sociais.
Bastaria um Deus. Era o monoteísmo sendo implantado, a apresentação do princípio de que basta uma instituição divina  organizada. Um Deus unido  é superior a múltiplos deuses  que vivem em constante disputa entre si. Concluo, com base nesse raciocínio, que a salvação não está condicionada à compreensão prévia dos mistérios da divindade.
Em segundo lugar creio que tal compreensão é desnecessária porque a divindade não nos consulta sobre as decisões a serem tomadas. Ela arbitrariamente decidiu (ou decide) em algum tempo fazer uma (re)distribuição de tarefas. Para tal constituiu-se de três pessoas, segundo os trinitarianos.
Por que três e não quatro, dez ou quarenta? Precisamente não sei, pois, como disse, não fui consultado. Por que fiz referência a três pessoas? Porque pela leitura da Bíblia (Jd 20,21; 2Co 13:13) encontro três nomes relacionados ao assunto e não creio que algum deles seja usado como simples instrumento pelos outros.  São três pessaos ou uma pessoa com três nomes, cada nome indicando uma função (as três mais importantes no plano da salvação)? Também não sei.
Posso provar que são somente três ou exatamente três? Não estou preocupado com isso. Nesse caso, como fica, para mim, essa questão, isto é, como entendo essa questão da divindade ou  a relação entre os seus membros?
Tenho encontrado soluções próprias para os meus problemas intelectuais. Crio minhas próprias explicações quando as outras não me satisfazem. Aprendi que nessas áreas de conhecimento tudo depende do referencial que se adota e adoto meus prórpios referênciais. Deixo o leitor livre para concordar ou discordar de mim. Faço minhas próprias definições porque até agora não encontrei nenhuma outra que me satisfizesse.
Tenho pensado na questão em termos de qualidade e quantidade. Em termos de qualidade a divindade é unitária, autossuficiente, capaz de resolver sozinha todos os problemas relativos à redenção humana. Qualitativamente ela é única, a única instituição do gênero. Ela basta-se a si mesma, basta para a teologia, basta para o projeto  de redimir e restaurar.
Quantitativamente ela se constituiu como quis e distribuiu as tarefas como Lhe aprouve. Portanto, a quantidade de elementos que a compõem é, no meu entender, irrelevante em termos práticos. Pode ser um bom assunto para debates, mas não altera  a minha condição. Não me santifica mais, não me engrandece mais se acreditar que são três pessaos ou apenas uma. Não tenho visto diferença nos relacionamentos humanos resultante de se acreditar na trindade (três pessaos divinas), na dualidade (apenas duas pessoas)  ou na unidade (apenas uma). O que me parece fazer diferença é permitir que algum (ou todos) membro(s) da divindade atue(m) na pessoa ensiando-a a respeitar a compreensão do outro.
Talvez possa ser interessante discutir a função de cada membro da trindade ou o significado de cada nome, mas não é imprescindível. Vejo nesse estudo das funções um bom campo de especulação teológica que, no entanto, não interfere na salvação e não justifica o debate segregacionista que decorre dessa especulação.
Do ponto de vista intelectual acho muito interessantes os estudos existentes nessa área. Gosto de ver as fronteiras do conhecimento sendo expandidas, mas não vejo porque essa expansão deva segregar. É bom conhecer, especular, debater respeitosamente o assunto desde que não se use isso para amedrontar, desqualificar ou julgar o ser humano.
Dourados,MS, 07de janeiro de 2012.
Antonio Sales                        profesales@hotmail.com

sábado, 7 de janeiro de 2012

POR QUE EXISTEM AS RELIGIÕES?


Evidentemente que um teólogo daria uma resposta a essa pergunta muito diferente da que vou dar. Já convivi com alguns e já li o que outros escreveram sobre isso. Vou pegar um caminho diferente. Minha resposta não é teológica e não tem a pretensão de ser o ponto final de um debate sobre o assunto. Quem quiser pode sentir-se livre para discordar de mim. Este é um espaço para debate, um debate respeitoso, sincero, mas um debate.
Muitas instituições religiosas perderam a razão da existência porque perderam a finalidade original, a finalidade para a qual foram criadas. Hoje elas ainda atuam, mas  com outras finalidades, embora mantenham o nome original e conservem no seu estatuto a finalidade original como objetivo ou como meta principal.
Alguns pregadores orgulham-se de pertencer a uma igreja que mantém a “sã doutrina”, a originalidade, sem se darem conta de que tal coisa não existe mais.
Gosto de trabalhar com exemplos e para não expor uma instituição específica vou “criar” uma denominação religiosa hipotética. Falarei da instituição Z.
O(s) pioneiro(s) ou o(s) fundador(es) de Z acreditava(m), por exemplo, que Jesus estava retardando o Seu retorno à terra porque não havia um povo preparado para recepcioná-lo e empenhado em anunciar a Sua volta. A instituição Z foi então fundada com essa dupla finalidade: proclamar a volta do Senhor Jesus e preparar um povo para a grande recepção.
O entusiasmo com que pregava(m) conquistou muitos membros e para bem atendê-los contratou (foram contratados) pastores e criou-se uma estrutura organizacional.
No início todos os pastores centravam a sua mensagem na esperança e no preparo moral e espiritual dos membros. Tendo em vista, porém, que as décadas foram se passando sem que ocorresse o esperado retorno de Cristo, e tendo observado que a elevação moral do povo nunca atingia o patamar esperado, os pregadores começaram mudar o foco da pregação. Já não falavam mais de esperança, já não mais estabeleciam patamares de excelência moral, já não mais falavam em renúncias, já não mais insistiam na proclamação do esperado retorno.
Pode-se dizer que nesse ponto a igreja perdeu a razão original da sua existência e, diante disso, ela devia parar as suas atividades. No entanto, alguns problemas criados nesse período requeriam a sua continuidade. Por exemplo: o que fazer com os prédios de sua propriedade? O que fazer com os pastores que haviam dedicado a sua vida à proclamação daquela mensagem? Como anunciar ao público o fechamento das suas portas e a anulação das suas doutrinas? O que fazer com os membros que haviam sido conquistados?
Nesse impasse, resolveu-se que igreja funcionaria que até que o último pastor aposentasse e o último membro viesse a óbito ou desistisse por si mesmo. Acontece que, para manter o funcionamento enquanto aguardava esse desfecho final, foram contratados outros pastores jovens e para custeá-los foram conquistados outros membros, e dessa forma, percebeu-se que nunca haveria um último pastor e nunca haveria um último membro. Logo, a estrutura organizacional precisaria continuar funcionando e para isso novos pastores contratados e novos membros conquistados.
É dessa forma que a igreja Z ainda existe e continua as suas atividades, mas com objetivos diversos dos objetivos originais. Ela não mais existe para apressar um evento, existe para manter uma estrutura. Não está mais em atividade para preparar alguém para uma recepção especial ao “Rei dos reis”, mas para não admitir o ridículo de ter enganado uma geração. Está em atividade e conquista membros para manter os seus pastores e, enquanto isso, novos pastores vão sendo agregados e o fim das suas atividades, sendo adiado.
Se você, leitor, deseja saber se a sua igreja ainda tem razão de existir fique atento aos discursos. Verifique se eles estão alinhados com os objetivos originais. Alguns indícios de desalinhamento:
A ênfase na arrecadação de fundos, embora sob aura de fidelidade a Deus, de compromisso com a causa, não lhe parece um forte indício de que a igreja busca desesperadamente manter a estrutura?
A dificuldade em conviver com alguém que pensa diferente, que tenta inovar, indica medo de desestabilização estrutural, não sugere medo de que se descubra a fragilidade dos argumentos e objetivos?
Frouxidão nas exigências em relação a comportamento e procedimento ético não sugere descrença com relação aos dogmas?
Às vezes até se fala sobre o assunto, mas aborda-os de forma indireta, em discursos indiretos, inespecíficos. Não tratar de forma específica os temas que angustiam a membresia não sugere nada? Será que essa abordagem não é só para manter a aparência?
A busca por culpar sempre os membros pelo não envolvimento não sugere uma forma de esconder o verdadeiro problema que é a perda e objetivos?
O ataque frequente ao “mundo” como se tudo que não é da igreja não seja bom, embora desfrute-se livremente dos benefícios desse “mundo” não sugere desvio de foco? A igreja não é para mostrar o caminho ao mundo? Como se mostra o caminho: dizendo o que não pode ser feito ou  dizendo o que deve ser feito?
Quando há uma supervalorização do trabalho do pastor e pouca delegação de competência não se está protegendo alguém? A preocupação com metas a serem cumpridas sempre visando o aumento do número de membros é indicativo de que? Estratégias de engano tais como oferecer serviços temporários para conquistar novos membros não lhe parece um desvio de rumo?
A lista vai longe, mas o crente atento perceberá nas entrelinhas dos discursos, indícios de preocupação em manter as estruturas e não mais de ajudar o próximo a encontrar uma diminuição nos seus problemas relacionais.
Campo Grande, 20 de dezembro de 2011.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com