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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A FÉ DE ABRAÃO



Sobre a fé desse patriarca dois apóstolos divergem. Tiago afirma que a fé do patriarca se consumou pelas obras, por ter oferecido o seu filho ( Tg 2:21). Paulo afirma que a sua fé se revelou sem obras (Rm 4:2,3). Não vejo como conciliar as duas posições. Elas são opostas e Paulo é enfático ao dizer que não foi pelas obras (Rm 4:4). Não foi a obediência á lei, mas a aceitação da graça que o transformou em exemplo a ser imitado (Rm 4:16).
Ao ler essas duas posições opostas fica a questão: com quem se identificar? Com Paulo ou com Tiago?
Pensemos um pouco sobre a história de Abraão.
O mundo em quem viveu, em termos sociais, não se parece com o nosso. A poligamia masculina era liberada e Abraão teve concubinas (Gn 25:6). As mulheres não tinham direito de escolha e Abraão usou Hagar (Gn 16:1-4) sem lhe perguntar se era seu desejo ter um filho com ele. Com isso quero dizer que ele seguia as regras do seu tempo.
No seu tempo era comum o sacrifício humano  aos deuses. Muitos pais abastados sacrificavam o filho mais velho ao seu deus para receber mais bênçãos, para receber mais filhos. Quando Deus foi instituir o sistema de culto israelita Ele  determinou que o todo animal macho primogênito de certas espécies (as consideradas limpas) deveria ser oferecidos  no altar de holocausto. Uma forma de desviar ou substituir o culto de humanos. Os homens deveriam ser mantidos vivos (resgatados)e serem substituídos por animais ( Ex 13:2,13-15; Lv 27:26).
Romper com uma crença requer tempo, um trabalho didático bem elaborado, e o Deus dos hebreus fez isso. Seu plano era que com o tempo também os animais deixassem de ser sacrificados. Ele pensava em uma progressão nos costumes e nas crenças. Ao morrer na cruz Cristo deixou claro que não era o sacrifício de animais o objetivo de Deus (Mt 27:51). Ficou evidente que o sistema judaico foi instituído para substituir o sacrifício de humanos e que depois deveria ser também substituído ou eliminado.
Voltemos a Abraão. No seu tempo era assim. O sacrifício de humanos estava na ordem do dia (Lv 18:21, 2Re 23:10). Isaque possivelmente já teria sido avisado pelos servos do pai e pelos coleguinhas de que ele era a vítima. Estava esperando que isso acontecesse com ele. Ao ir para o monte com o pai ele suspeitava  e esperava que o pai lhe falasse abertamente sobre isso. Tanto é assim que provocou o pai com a pergunta: onde está o cordeiro?(Gn 22;7,8)
Abraão não ia sacrificar Isaque a pedido do Deus de  Israel, mas para cumprir um ritual da época. Seu coração estava pesaroso porque era o filho da promessa, mas, ao mesmo tempo, era grato a Deus pelo milagre do seu nascimento. Era de Deus e a Deus seria devolvido. Esse era o seu pensamento.
Ao chegar  ao local  do sacrifício uma voz o detém e lhe diz compreender a intenção, mas que esse Deus a quem ele serve não quer sacrifícios humanos, não concede bênçãos com base em ofertas, não salva com base em obras  humanas. Nesse momento Deus oferece um substituto que é aceito por Abraão. Aqui sim se manifestou a fé de Abraão em aceitar o substituto. Ele compreendeu que o sacrifício quem faz é Deus, quem paga a conta é Deus. Compreendeu que Deus dá as bênçãos  sem esperar retorno, sem exigir pagamento (Mt 5:45).
Em toda Bíblia, a começar em Gn 3:15, transparece a história do substituto, da providência divina para a salvação. Dessa forma penso que a fé de Abraão se manifestou não na oferta do filho a um deus, mas na aceitação do substituto provido por Deus.
O difícil para Abraão não foi a subida ao monte, mas a descida. Ao subir ele foi como um homem da sua época, admirado por todos por estar disposto a cumprir a tradição de oferecer o filho aos deuses. Ao descer poderia ser visto como um homem frágil que não conseguiu cumprir com que era esperado dele.
Como explicar aos homens que Deus não aceitara a sua oferta, se havia “aceitado” a de tantos outros menos dignos do que ele? Como explicar que não foi covardia, mas uma determinação divina? Como explicar que o seu Deus não aceitara o seu sacrifício? Havia enganado os homens dizendo que ira sacrificar o filho?
Penso que a sua fé se evidenciou ao aceitar o substituo e por isso fico com a interpretação de Paulo.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 29 de setembro de 2012.