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domingo, 21 de abril de 2013

QUANDO DEUS ESTRAGA UMA FESTA - II



Antes de postar o primeiro texto sobre esse tema enviei-o a um colega para a suas críticas. O que recebi merece ser publicado. Não cito o seu nome porque não pedi a permissão para isso. Portanto, assumo a responsabilidade pelo texto que segue cujas palavras são dele.
Uzá não fazia parte do poder sacerdotal. O que ele estava fazendo era um rompimento com a tradição; sua iniciativa mostrava outro caminho, apontava para possíveis mudanças. Os sacerdotes se viram ameaçados e fizeram um registro escrito que consolidava a primazia e exclusividade deles em manusear as coisas divinas.
No velho testamento o que percebemos é uma apropriação do sagrado para manipular, dominar o povo. É a privatização da religião. Deus não concordava com isso e mandou Cristo para romper com essa prática corrupta. Ele falou duramente com os escribas e fariseus; não desculpou aqueles que se serviam da obra.
Naquela experiência da oferta da viúva a aplicação que usualmente se faz dela  é distorcida. Cristo estava no templo, condenando a opulência da liderança que usurpava a oferta das pessoas que ofertavam a Deus. Muitos, inclusive, traziam  o último centavo. Eram pobres explorados pelos que estavam no poder.
Paulo, pessoa honesta, não se utilizou do seu chamado para viver sem trabalhar e produzir. Ele deu o exemplo de não ser pesado, de não usar os recursos da igreja para benefício dele. E quando fez campanhas por ofertas foi com objetivo filantrópico, para ajudar os pobres, socorrer pessoas pela tragédia da fome que se alastrava.
As Igrejas ditas cristãs se apegam no modelo concentrador e explorador do VT e fazem terrorismo sobre as pessoas. Falam da salvação em Cristo, mas o foco está na manutenção do seu status quo. Apegam-se a um modelo que foi claramente condenado por Deus. São como pastores para os quais as ovelhas são "valorizadas" apenas quando deixam a lã nas mãos deles. Privatizam a "verdade"; só eles tem o poder e a autoridade de lidar com as coisas sagradas.
Todas essas igrejas contemporâneas conservaram muitos dos ritos da igreja majoritária e secular. A sacralidade do altar, os discursos obtusos em nome de Deus e os recursos financeiros para patrocinar uma organização pesada e, por essa razão, de manutenção muito cara. Somente um grupo iluminado tem o direito de dizer qual será o nosso destino; e nós  sabemos como isso tem ocorrido. Amedrontam as pessoas assim como a igreja dominante no passado  fazia: excomungam, classificam como hereges e só não matam porque a sociedade não tolera mais isso. Pregam que Cristo liberta, mas usam discursos pouco disfarçados para escravizar as pessoas.
Nas últimas duas décadas a proliferação de ministérios evangélicos tem desmascarado as igrejas tradicionais. Mostram várias coisas: o interesse material, um semianalfabeto abre um ministério, reúne milhares de fiéis, e mostra que  pode fazer o que esses "iluminados" dizem que só eles podem fazer.
Algumas igrejas evangélicas tradicionais mantêm uma série de dogmas da igreja que condenam e cujo líder denunciam como a besta apocalíptica. Criam numerosos cargos que para ocupa-los é preciso ser dizimista porque assim conseguem forçar um maior número de pessoas a dizimarem; criam um sistema de lavagem cerebral com vídeos sensacionalistas veiculados no horário nobre do programa de culto para comover e colocar medo naqueles que não dizimam. Fazem o mesmo que alguns líderes neopentecostais, carimbados pela sociedade, apenas de forma mais sutil, sem publicidade. Colocam leigos pressionando outros leigos para dar o dinheiro dizendo que se não o fizerem Deus o não vai abençoar a sua vida; não herdarão salvação.
A suposta benção do dízimo acontece porque pessoas que não se organizavam para administrar entradas e saídas  passam a fazê-lo quando têm que dizimar.
Voltando ao caso de Uzá, penso que ele teve um infarto cardíaco fulminante quando viu que a arca pendeu para cair. Isso ocorreu pela emoção negativa de ver o móvel que simbolizava a presença de Deus ir ao chão. O mal súbito foi o resultado de uma educação repressora e não libertadora. Com a morte súbita dele, quem se encarregou de fazer a narrativa registrou que foi punição Divina.
Penso que nem tudo que está na Bíblia foi inspirado. Aquela parte do texto Bíblico que diz: "Toda escritura inspirada por Deus é útil para..." (2Tm 4:16) é  traduzida como: "Toda a escritura é inspirada por Deus" para dizer que  uma vez que está registrado na Bíblia aplica-se porque que é a Escritura.
Tantas histórias, tantas questões.
Antonio  Sales profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 21 de abril de 2013.

QUANDO DEUS ESTRAGA UMA FESTA



 Creio que o Velho Testamento contém lições importantes para a nossa vida. Saber como creram e viveram os nossos antepassados nos traz lições preciosas que não podem ser desprezadas. Tenho, porém, dificuldade em aceitar a inspiração de certos trechos veterotestamentários. 
Tomando por base a experiência vivida por Jesus no trato com os escribas, sacerdotes e fariseus do Seu tempo, sou induzido a crer que muito do que está escrito foi produzido para defender uma crença que beneficiaria a liderança, que apoiaria os ensinamentos oficiais, que pusesse em destaque a moral religiosa defendida pelos sacerdotes, que trouxesse força às imposições que eram apresentadas pelos líderes ao povo.
Manter o povo com medo, impedir a livre expressão é uma boa forma de se manter no poder mesmo tendo  um comportamento objetável.
Creio que foi isso que aconteceu com algumas passagens do Velho Testamento. Foram manipuladas para intimidar, distorcidas para apresentar um Deus  a favor da liderança, recontadas para reforçar uma posição.
Lembremos que nem sempre tivemos registros escritos e que muito do que temos escrito hoje é resultado da tradição oral de muitas gerações. Tradição essa que vai sofrendo alterações com o tempo e que quando finalmente é fixada pela escrita, talvez, tenha muito pouco do original.
É com esse pensamento, pensamento de que um texto foi manipulado, que leio a triste história de  Uzá, aquele jovem que foi encarregado de conduzir o carro de bois que levaria a arca de Deus para Jerusalém (2Sm 6:1-8).
O texto, como está escrito e como é usado nos púlpitos, apresenta um Deus maldoso, que brinca com os seres humanos como o gato brinca com o rato antes de matá-lo. Vejam a descrição.
Diz o texto que todos os preparativos foram feitos para que a arca que estava na casa de Abinadab fosse conduzida para o santuário em Jerusalém.
Durante todo o preparativo Deus estava em silêncio, olhando sorrateiramente os preparativos em busca de alguma falha que Lhe fornecesse um motivo para punir os homens envolvidos. Ele viu todas as falhas, mas não disse nada. Deixou que os homens criassem expectativas, alegrassem o coração, preparassem cânticos e treinassem músicos e cantores.
A arca ficara vinte anos na casa de Abinadab, que não era da linhagem sacerdotal, e nada aconteceu. Nenhum sacerdote ou levita queria cuidar dela em sua casa, então ela não fez mal ao anfitrião. Se algum deles estivesse interessado em ter a arca sob o seu poder teria, por certo, arrumado uma argumento de que a casa de Abinadab estava sendo amaldiçoada.
 Agora o rei assumira o cuidado dela e era preciso ocupar as posições privilegiadas de levita e sacerdote. Era preciso reconquistar o prestígio perdido e para isso apresentaram um Deus que deixou que a melhor madeira fosse escolhida para o carro e que os bois mais bonitos fossem treinados para transportá-la. Permitiu que uma grande festa fosse preparada e que roupas especiais fossem confeccionadas. A tudo isso olhava com olhar maldoso e um sorriso irônico no canto dos lábios. Queria pegar os não levitas desprevenidos.
Ninguém lembra que nenhum profeta foi enviado para alertar que algo não estava bem e o texto apresenta Deus como um tipo de pai frustrado que deseja desforrar na ingenuidade do filho a sua incompetência para orientar. Esse o retrato de Deus que foi pintado pelo relato.
Finalmente chegou a hora esperada por Ele para mostrar o seu capricho malévolo.
Diz os versos 6 e 7: “E, chegando à eira de Nacon, estendeu Uzá a mão à arca de Deus, e teve mão nela; porque os bois a deixavam pender. Então a ira do Senhor se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali, por esta imprudência: e morreu ali, junto à arca de Deus.
O jovem Uzá estava seguindo as orientações dos seus líderes. Estava ali a serviço, escalado para trabalhar, para cuidar do transporte da arca. Sentiu-se responsável e quis evitar a sua queda. Ele não escolheu agir assim  porque na hora de uma acidente as ações humanas são respostas  a reflexos instintivos e não pensadas. Ele não se programou para estender a mão para proteger a arca. O tropeço dos bois não estava previsto. Esse detalhe não constava no manual e ele era o responsável. Convivera com a arca por vinte anos e nada lhe acontecera.
Ainda hoje essa estória é contada como verdade para amedrontar os adoradores e fazê-los cada vez menos livres, menos autônomos e mais dependentes de seus líderes. Fazê-los temer a Deus como se teme um ditador maldoso, um gato gigante que sai à caça de pequeninos ratos.
A estória parece produzir o efeito esperado porque o medo impede as pessoas de questionarem o absurdo da narrativa e as lições impróprias que dela são tiradas.
Tenho pensado que se é assim, se Deus está à espreita então não devo me dispor mais a colaborar com Ele. Não ajudo mais em construções de igrejas como já fiz várias vezes atuando voluntariamente em mutirões: Ele pode me ferir com uma tijolada pela minha espontaneidade em uma ação inesperada da minha parte.
Não devo me atrever mais a dar ofertas porque Ele pode me castigar por estar fazendo que o que não deveria naquele momento.
Quando alguém está à espreita nunca se sabe quando ele está contente, quando ele vai aprovar.
O texto termina dizendo que “David se contristou, porque o Senhor abrira rotura em Uzá; e chamou aquele lugar Perez-uzá, até ao dia de hoje”.
Como a tristeza de Davi não trouxe a vida de volta a Uzá e nem trouxe alegria a seus pais e não acalmou a Deus,  não quero me arriscar mesmo sabendo que muita gente pode chorar pela minha morte e que depois algum sermão  inflamado aclame  a minha dedicação. Na incerteza, me omito.
Parece que e a estória pinta um quadro tétrico de um Deus maldoso que só ampara a liderança, uns poucos privilegiados.

 Nova Andradina, 14 de abril de 2013.
Antonio Sales   profesales@hotmail.com

domingo, 7 de abril de 2013

DISCURSOS IMPRÓPRIOS



Quando, após avaliar determinado discurso religioso (sermão) proferido em público,  se comenta com alguém sobre a impropriedade de tal sermão ouve-se, invariavelmente, a afirmação  de que não se deve proceder desse modo porque mesmo um sermão superficial, sobre um assunto supérfluo, sem ideias novas, fundamentado em ideias preconcebidas, descontextualizado, acusador ou  alarmista pode produzir bons resultados. Dizem que vez ou outra alguma pessoa é levada à conversão por meio de um desses sermões porque  o Espírito Santo atua na vida  dela. É o Espírito Santo, dizem,  e não o sermão que produz os resultados, logo, não há porque avaliar o discurso ou classificá-lo como próprio ou impróprio.
Se mesmo o pior sermão pode salvar uma vida não há razão para se preocupar com a sua qualidade, argumentam eles.
Da nossa parte não temos dúvidas de que o Espírito Santo pode transformar pedras em pães (Mt 4: 3 ), transformar pedras em filhos de Abraão ( Mt 3:9), fazer uma jumenta falar ( Nm 22:28) ou  acalmar uma tempestade (Lc 8:24). No entanto, parece que ele não tem tido sucesso em transformar pregadores medíocres em bons pregadores. Não tem conseguido convencer aos pregadores de que os ouvintes merecem respeito. Se o ouvinte merece respeito o sermão deve ser bem preparado, bem fundamentado.
Se é verdade que Deus falou por meio da jumenta de Balaão é possível que fale por meio de um desses pregadores impróprios, porém, algum desses pregadores aceita ser chamado de “jumenta de Balaão”? Algum deles  aceita estar fazendo o papel daquele animal?
Sermão não é para “converter”, é para orientar, para apontar os caminhos de um bom relacionamento com Deus e com os homens. Converter é papel de outro.
Um pregador que se contenta com o resultado tão medíocre de ser útil uma vez ou outra, para uma ou outra pessoa, talvez pertença mesmo à categoria dos asininos, porque alguém consciente, com preparo para o que faz, acha um descalabro atingir tão pouca gente e de forma tão incerta. É correto “sacrificar” dezenas só porque, casualmente, um ou outro se salva?
Talvez alguma pessoa vá à igreja para  passar tempo ou fugir da rotina. Para essa pessoa qualquer sermão serve porque ela não foi para ouvi-lo, não foi em busca de algo produtivo ou duradouro. No entanto, para aqueles que vão em busca de saciar a sede espiritual, enriquecer o intelecto, ampliar os seus conhecimento sobre a Bíblia ou sobre aplicações da Bíblia à vida moderna, não é qualquer sermão que serve.
Não é admissível, com tanto conhecimento à nossa disposição, ainda ficar repetindo o que se ouviu no passado  distante, ou falando o já muitas vezes falado. As pessoas que não estão em coma querem crescer, ver ideias novas, ser esclarecidas, ser desafiadas  a pensar. Querem algo produtivo, produto de estudo e reflexão.
Uma afirmação feita em um sermão deve ser justificada pela lógica, pela tradição ou pelos escritos. Ela nunca deve ser uma frase solta. Se for uma frase pronta, obtida de outro, deve-se dizer a fonte e justificar porque está sendo usada naquele contexto. Isso é respeitar o ouvinte e mostrar-lhe como se respeita os outros.
O tempo que uma pessoa passa na igreja deveria ser mais bem aproveitado com discursos e debates produtivos, esclarecedores. As frases de efeito devem ser justificadas, as ilustrações não podem ser infantilizantes, as acusações devem ser bem definidas e direcionadas ao objeto, e não sujeito, e o alarmismo deve ser evitado. Deve-se atacar o pecado, mas não o pecador. As contradições devem ser evitadas e a ingenuidade deve ceder lugar à profissionalização.
Isso é o que pensamos.
Antonio Sales
Nova Andradina, 06 e abril de 2013.