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sexta-feira, 4 de abril de 2014

A IGREJA, EU, VOCÊ E NÓS



Recentemente Camila Paglia, uma escritora americana, deu uma entrevista
nas páginas amarelas da Veja(*).
Ela falou sobre o isolamento das mulheres em virtude dos recursos tecnológicos disponíveis como a máquina de lavar, por exemplo. Antigamente, segundo ela, quando as mulheres iam lavar roupas em grupo havia mais interação entre elas. Conversavam, opinavam sobre a vida, sobre roupa, técnicas de lavar roupa, educação de filhos e cuidavam das crianças umas das outras. Ainda segundo ela nós amamos o isolamento, mas isso não é bom porque a constituição do sujeito fica prejudicada. Tornamo-nos inseguros, desconfiados, egocêntricos.
Lembro-me das minhas aulas sobre Fenomenologia no curso de Mestrado. No estudo sobre  a percepção Merleau-Ponty deixa claro que percebemos em  oposição, isto é, que percebemos que o céu é azul porque a grama é verde e a terra é marrom. Nos dias densamente nublados onde tudo parece cinza é difícil dirigir um carro porque os contornos do asfalto perdem a definição, a noção de distância fica prejudicada e os pedestres que atravessam a rua se tornam indistinguíveis. Dito em outras palavras: sei quem sou porque você é diferente de mim. Constituo-me na diferença.
Somente observando o que o outro tem é que consigo saber o que me falta. O outro, com suas diferenças me enriquece, me completa.
As igrejas com a sua filosofia de transformar a todos em ovelhas (submissas sem opção), com o discurso de que devemos todos ser iguais a Cristo e que deve reinar a unidade entre os crentes, roubam a nossa identidade. Pregam a nossa anulação e, consequentemente, estimulam o nosso absenteísmo e inutilidade. Tornam todos acinzentados e, dessa forma, a igreja perde a coloração das ideias, fica sem pessoas criativas e autônomas. Com isso ela perde o vigor do embate salutar que produz crescimento.
Poucos são os que conseguem romper com essa estrutura que os enclausura e arriscam a se expor. Poucos expressam os seus pensamentos porque temem ser diferentes.
Se fossemos iguais a Cristo quem seria o outro? O que mais haveria por fazer? Teríamos alcançado a plenitude espiritual e depois? O que faríamos?
Sabemos que o pronome Nós é preferível ao pronome Eu quando se trata de  viver socialmente, mas  esse Nós deve ser resultado dos Eus e dos Vocês que, voluntariamente, se unem em colaboração mantendo cada  a sua individualidade porque as diferenças se completam.
Quanto maior a diversidade maior a riqueza de ideias e maior a possibilidade da beleza aparecer na variedade de aparências.
Antonio Sales
Nova Andradina, 04 de abril de 2014.

 PAGLIA, Camile. Nós Sufocamos os Homens. Veja: edição 2363, ano 47, nº.10, 5 de março de 2014. Entrevista concedida a  Mariana Barros para as páginas amarelas.