O texto está em Mc 2:28
e pretendo analisá-lo sob outra ótica. Posto neste blog os textos que considero
difíceis de digerir. São textos para
serem ruminados longamente e com calma. Coloco em xeque a ortodoxia de alguns
intérpretes. Disparo o “tiro” numa direção não esperada pelo leitor.
A questão que me
intriga é: o que significa o sábado ter sido feito por causa do homem?
Vou com calma porque
preciso eu mesmo apreender o significado do que escrevo.
Quando recorro a
Gênesis percebo que as plantas foram feitas por causa do homem. Que homem? Um
homem que precisava viver bem, respirar saudavelmente, se alimentar de frutas e
cereais, etc. As plantas estariam a serviço do homem. Embora coubesse a ele o
dever de protegê-las teria que combater as ervas daninhas, isto é, aquelas que,
dentre elas, seriam prejudiciais.
Nesse mesmo contexto
vejo que a mulher foi feita por causa do homem. Que homem? Um homem que estava
sem uma igual, que precisava dialogar, comungar afeto, perceber-se não sendo único e nem a única forma possível.
A presença da mulher traria benefícios para o homem. Haveria entre eles uma parceria, respeito mútuo e um
estaria serviço do outro. Haveria embate entre eles, um embate para o
crescimento de ambos.
Mais tarde, no Monte
Sinai (Ex 20) Deus deu a lei para o homem. Que homem? Um homem escravizado por
séculos, desumanizado, que perdera a autonomia de pensar e agir sozinho. Um
homem livre fisicamente e escravo mentalmente. Sua mente estava entorpecida,
seu coração marcada pela mágoa, sua vontade estava domada e a autoestima lançada
ao chão. Era preciso humanizar esse homem, primeiramente mostrando-lhe que os
deuses egípicos eram frágeis (as pragas evidenciaram isso), que o Deus do
hebreus era suficiente e dominava sobre
a natureza (os relâmpagos e trovões no Sinai, a abertura do Mar Vermelho e o
Maná evidenciaram isso) que era preciso repousar e que era necessário
respeitar.
Mas o que é descansar,
respeitar, confiar? Para um homem livre, protegido, pode não haver dúvidas. E
para o perseguido, para o odiado, para o subjugado?
“Não matarás” é um
preceito subjugador do instinto selvagem que se instala no coração de um
escravo empoderado às pressas. “Promova a vida” seria um preceito libertador
difícil de ser compreendido naquele momento. Se não direciono uma arma contra
você eu cumpro o preceito “não matarás” ainda que o deixe morrer à míngua, ou
que me afaste sem socorrê-lo ao vê-lo sangrando à beira da estrada. No entanto,
para respeitar o preceito “promova a vida”, além de não matar devo socorrê-lo.
Foi o que Jesus disse mais tarde (Mt 5:20): “se a vossa justiça não exceder a
dos escribas e fariseus não entrareis no
reino dos céus”.
O mesmo se pode dizer
do preceito “não adulterarás”, que significa, não vá para a cama com outro(a),
é amordaçador. “Respeite o cônjuge”, “respeite o outro” , “controle-se”, ou
honre o compromisso para com aquela pessoa a quem se uniu, é a versão
libertadora desse preceito. Jesus diz isso em Mt 5:28-30. A forma negativa
proíbe e a forma positiva estimula, liberta.
Dessa forma vemos
que na condição em que se encontrava o
hebreu que saiu do Egito os preceitos tinham que ter a forma como foram
apresentados, negativos. Depois Deus esperava que eles fossem lidos de outro
modo, que fossem vistos pelo lado positivo.
Prender-se ao “não” é
ser escravo. Ver o preceito pelo lado positivo é libertador. Tiago (Tg 2:10-15)
fala da lei da liberdade que é a lei da misericórdia, do agir em favor do
outro. É essa lei que nos protege da condenação (Mt 25: 31-46 ).
Como mandar alguém repousar tranquilamente quando ele,
primeiramemnte, se descobre livre e quer
agir e, em segundo lugar, precisa se proteger do incerto naquele deserto
desconhecido? Aquietai-vos é a ordem, mas como obedecê-la sem uma delimitação
temporal especialmente para quem viveu toda a vida sob ordens expressas? Como
levar tal pessoa ao descanso sem proibir de trabalhar?
É aqui que entra a
questão inicial
Deus delimitou, mas
Jesus deu outra dimensão. Dimensão essa somente percebida pelo apóstolo Paulo
(Hb 4:8-10) que afirmou que Deus tinha em mente o repouso da alma, produto da confiança
em Cristo. O repouso físico era pretexto. O tempo delimitado era para coibir
excesso de atividade por parte de quem se via livre pela primeira vez. O tempo
delimitado era para provar que o Deus dos hebreus proveria o maná, faria
milagres. Era para dizer: “podem descansar em Mim”.
O sábado foi feito por
causa do homem, isto é, para ensiná-lo a repousar, descansar (não só
fisicamente) numa época em que isso era
algo estranho para ele. Confiar quando Deus disse que mandaria ao maná em dobro
era o mesmo que aprender que Deus cuidaria de outros aspectos da vida deles.
Portanto, hoje ainda faz sentido um dia especial de
repouso com uma série de limitações? Para quem ele faz sentido? O que nos dizem
as inúmeras exceções (chaveiro, borracheiro, taxista, serviço de energia,
polícia, etc.) que precisam ser abertas para adequar o repouso às necessidades
do homem neste século? Como posso
descansar sem que a polícia esteja nas ruas? Como posso descansar sendo eu um recepcionista
de hospital, policial, segurança, autossocorrista, taxista, motorista de ônibus
urbano, encarregado da limpeza do hospital, motorista de ambulância, etc., se o
meu próximo precisa do meu serviço? As questões são tantas quantas quisermos. As exceções também.
Qual a contribuição do preceito limitado ao “não
farás nenhuma obra” para o ser humano que deseja contribuir? É possível
descansar em Cristo sem descansar no sábado? É possível descansar no sábado sem
descansar em Cristo? A qual descanso se deve dar ênfase? Se o aprendizado da
confiança em Cristo e da apropriação da
graça não ocorrer, há descanso?
Como o sábado pode ser
algo a nosso favor, estar a serviço do homem se estiver cercado pelo
formalismo? Ainda precisamos de proibições para descansarmos? O descanso em
Cristo não provém de uma “ordem” superior de relacionamento? Não é um descanso que repousa na ação em busca do
crescimento e do serviço? A guarda do sábado é uma aliada do cristão que quer
servir ao próximo (como taxista, borracheiro, chaveiro, mecânico, recpcionista
de hospital, policial, bombeiro etc.) nos seus momentos de tensão?
Não é necessário haver
depuração nessa relação homem/sábado? Isto
é, não se faz necessário eliminar inconvenientes,
encolher o formalismo, ampliar a abertura para ação, etc.?
Se as necessidades são outras,
se a relação homem/mulher, nas sociedades desenvolvidas, mudou para melhor, se
a relação homem/natureza está sendo revista, não será preciso repensar a nossa
relação com Cristo e com o serviço para entender o que ele disse em Mc 2:28? Por
que Ele disse isso naquele contexto?
Todas as pessoas descansam
em Cristo da mesma forma e ao mesmo tempo? Há uma fórmula precisa para o descanso
espiritual? Se alguém descansa em meio à tempestade e outro não consegue descansar
nem em plena bonança é possível estipular um horário para que os dois descansem
juntos?
É possível estipular um horário para que os dois se encontrem, mas estarão ambos descansados?
É possível estipular um horário para que os dois se encontrem, mas estarão ambos descansados?
Para incrementar a
discussão sugiro a leitura de:
Nova Andradina, 20 de fevereiro de 2012.
Antonio Sales
profesales@hotmal.com