Translate this blog

domingo, 2 de dezembro de 2012

TRAPOS DE IMUNDÍCIE



Alguns pregadores ao discutir o tema da justificação fazem o jogo do pula-pula. Começam com Paulo, defendendo a justiça pela fé, depois vão a Tiago e defendem o valor das obras como parte do processo de justificação e,  como último recurso apelam para Isaias dizendo que nossa justiça, isto é, a justiça humana é como um  trapo de imundície.
Ao ouvir isso costumo ficar me perguntando: e o ser humano onde fica nesse jogo?
A preocupação deles está em defender pontos de vista, dogmas, crenças, mas não em esclarecer o ouvinte, o aprendiz que fica como joguete nesse pula-pula todo.
Mesmo correndo o risco de ser repetitivo com relação ao que venho escrevendo vou tentar expor um resumo do meu ponto de vista.
Paulo tinha em vista a salvação, a relação com Deus. Para ele o ser humano é aceito gratuitamente  por Deus. A participação humana nesse processo consiste em aceitar (ter fé na) a proposta divina (Rm 1: 17; 4:1-11)
Tiago (Tg  2:14-26) tinha em vista as relações humanas, a nossa aceitação na comunidade onde vivemos. Justiça para ele é viver corretamente, viver  de acordo com as normas sociais e os princípios da moral. Tiago não imaginava que um cristão pudesse se portar como menos dignidade do que um não cristão (Paulo também pensa assim. aliás,  ninguém imagina que a graça de Deus seja inútil, incapaz de produzir afeição  pelo bem. Essa foi a promessa  divina em Gn 3:15).
A fé em Tiago é aceitação de um padrão de vida decente, acreditar que vale a pena ser bom, ser verdadeiro, investir no ser humano. De alguma forma, a fé para ele é crer nas instituições sociais (as virtudes morais de que fala Aristóteles são valores também para nós, logo, estão institucionalizadas, isto é, são instituições não corpóreas).
Isaías (Is 59:4;  64:6) por outro lado, denuncia a prática corrupta do seu tempo. A religião de fachada, a exploração do outro em nome da piedade. A balança enganosa e a usura eram práticas comuns nos seus dias. Ainda hoje há quem explore menores sexualmente e se tranquilizam por terem concedido a ele um benefício financeiro que lhe confere a subsistência. São “justiças” ou justificativas  imundas.
Misturar os três escritores bíblicos me parece impróprio. Tratam de coisas diferentes, escreveram em contextos diferentes e juntá-los em um mesmo discurso, sem focalizar as diferenças contextuais,  ou tentar mostrar que dizem a mesma coisa só cria confusão.
A propósito concordo com os três escritores bíblicos. Concordo com Paulo que a salvação é gratuita, um dom de Deus.  Concordo com Tiago quando defende que ninguém tem o direito de viver estupidamente como o homem sem lei.
 Qualquer coisa que se faça por nós ou nos ofereçam (educação, salvação, amizade, amor,  afeto)  tem o objetivo de nos  tornar melhores, mais humanos, mais compreensivos, responsáveis, éticos.
Concordo com Isaias que os corruptos, os exploradores, os mentirosos, os hipócritas, quando fazem alguma coisa boa é com segundas intenções, logo, a sua "bondade" é uma exploração, a sua aparente justiça é um engodo, o seu sorriso é falso e o seu afeto é uma chantagem.
O que não concordo é que se junte  os três para fazer uma maçaroca e enredar os ouvintes.
Nova Andradina, 23 de novembro de 2012
Antonio Sales     profesales@hotmail.com

sábado, 17 de novembro de 2012

A JUSTIÇA DE ABRAÃO



Ao ler  o meu texto, sobre a fé de Abraão, um esclarecido leitor, ao se deparar com a questão que sugere uma dificuldade em se optar com qual apóstolo concordar em relação à justiça, observou que não há disputa entre Paulo e Tiago porque tratam de momentos diferentes da vida do cristão. Segundo ele, Paulo fala do antes da conversão e Tiago do após a conversão. Nessa perspectiva, antes da conversão somos justificados (salvos) pela fé e depois da conversão somos justificados pelas obras.
É uma conhecida forma de ver os escritos desses dois apóstolos. Muitos pensam dessa forma, logo, não se pode simplesmente descartar a possibilidade de estarem corretos em sua interpretação. Podemos, porém, pensar diferente e fazer outra leitura dessa aparente discrepância.
Entendo que os apóstolos  estavam realmente falando de coisas diferentes, mas não de fases diferentes na vida de cada um. Estavam, no meu entender, falando de relacionamentos diferentes e não de etapas diferentes.
Um falou do relacionamento do homem com Deus o outro do relacionamento do  homem com os seus semelhantes.
Quando um  cristão está em seus momentos de reflexão espiritual, na sua câmara de oração   entra em cena a sua fé e ele pode sair de lá plenamente justificado por ela.  Se a sua relação com Deus foi estabelecida, se sentiu a plena aceitação da divindade pela sua entrega, se a sua vida adquiriu um novo sentido após esses momentos é porque a justificação ocorreu, e ocorreu somente pela fé. O seu mérito consistiu tão somente em aceitar a companhia da divindade, acolher a Sua oferta de perdão e receber a Sua paz inundante.
Paulo fala desses momentos sublimes e também da certeza que temos de que Deus nos ama e nos aceita. Essa disposição divina de nos acolher em Sua família Paulo chama de justificação e a nossa aceitação dessa proposta divina ele chama de fé.
Tiago falava das relações humanas, da religião vivida no cotidiano. Nesse contexto somos justificados ou condenados pelo que fazemos. As relações sociais são pautadas pelas regras vigentes na sociedade. Os relacionamentos humanos se pautam por essas regras. É pelo cumprimento das normas sociais que somos aceitos na comunidade, que conquistamos o respeito dos outros, que somos tomados como exemplos.
A justiça em Tiago é outra, é diferente da justiça nos escritos de Paulo.
Em Paulo justiça é sinônimo de salvação, tem a ver com a nossa aceitação por  parte de Deus. Em Tiago justiça é viver exemplarmente, é agir corretamente, é ser um religioso (cidadão, membro da igreja) exemplar.
Ao avançar um pouco mais nesse debate peço permissão ao leitor para ser um pouco repetitivo e expor aqui o que já escrevi em outros textos. Aproveito o ensejo para afirmar que a minha crença é que Tiago ao falar da lei não se limita aos dez mandamentos. Para ele a vida cristã vai além disso. O próprio Jesus afirmou que se a nossa justiça se limitar ao cumprimento da lei estamos perdidos (Mt 5:20). A lei dos dez mandamentos, composta em sua maioria por preceitos proibitivos, é uma lei cerceadora, limitante. É própria para imorais, indivíduos sem autocontrole que precisam ser vigiados, que precisam de controle externo.
O cristão deve sair do campo limitado da moral (obediência simples ao que está escrito) para o campo ilimitado da ética (liberdade para ir além do escrito). A moral cerceia buscando conservar, a ética liberta para transformar. O viver moralmente correto se limita a cumprimento da lei, o cristão a ético procura agir para melhorar as relações com os seus semelhantes e a vida de todos. O ético vai além da lei.
Um dos princípios basilares da ética prática é que antes de praticar uma ação devemos nos perguntar sobre as suas possíveis implicações no bem estar dos outros.
Entendo que a pessoa que pauta a sua vida pelos dez mandamentos ainda não se tornou cristã, ainda se enquadra no que disse o salmista que há pessoas que se assemelham aos irracionais que ainda necessitam de cabresto e freio para seguirem o caminho certo (Sl 32:9).
Tiago trata disso ao enfatizar a misericórdia como o padrão do julgamento divino. Ele entende que não basta não matar, não adulterar, etc., é preciso respeitar, acolher, apoiar. É preciso ir além da lei e aprender a amar (Mt 22:36-40), praticar a misericórdia (Tg 2:13) e viver exemplarmente.
Justiça, para Paulo, é ser aceito por Deus. Justiça, para Tiago, é ser honrado pelos homens. Para Paulo, ninguém depende da lei para ser justo. Para Tiago, justo é o que vive acima da lei, isto é, não subordinado a ela, mas tendo-a como parâmetro.
 Antonio Sales   profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 17 de novembro de 2012.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A FÉ DE ABRAÃO



Sobre a fé desse patriarca dois apóstolos divergem. Tiago afirma que a fé do patriarca se consumou pelas obras, por ter oferecido o seu filho ( Tg 2:21). Paulo afirma que a sua fé se revelou sem obras (Rm 4:2,3). Não vejo como conciliar as duas posições. Elas são opostas e Paulo é enfático ao dizer que não foi pelas obras (Rm 4:4). Não foi a obediência á lei, mas a aceitação da graça que o transformou em exemplo a ser imitado (Rm 4:16).
Ao ler essas duas posições opostas fica a questão: com quem se identificar? Com Paulo ou com Tiago?
Pensemos um pouco sobre a história de Abraão.
O mundo em quem viveu, em termos sociais, não se parece com o nosso. A poligamia masculina era liberada e Abraão teve concubinas (Gn 25:6). As mulheres não tinham direito de escolha e Abraão usou Hagar (Gn 16:1-4) sem lhe perguntar se era seu desejo ter um filho com ele. Com isso quero dizer que ele seguia as regras do seu tempo.
No seu tempo era comum o sacrifício humano  aos deuses. Muitos pais abastados sacrificavam o filho mais velho ao seu deus para receber mais bênçãos, para receber mais filhos. Quando Deus foi instituir o sistema de culto israelita Ele  determinou que o todo animal macho primogênito de certas espécies (as consideradas limpas) deveria ser oferecidos  no altar de holocausto. Uma forma de desviar ou substituir o culto de humanos. Os homens deveriam ser mantidos vivos (resgatados)e serem substituídos por animais ( Ex 13:2,13-15; Lv 27:26).
Romper com uma crença requer tempo, um trabalho didático bem elaborado, e o Deus dos hebreus fez isso. Seu plano era que com o tempo também os animais deixassem de ser sacrificados. Ele pensava em uma progressão nos costumes e nas crenças. Ao morrer na cruz Cristo deixou claro que não era o sacrifício de animais o objetivo de Deus (Mt 27:51). Ficou evidente que o sistema judaico foi instituído para substituir o sacrifício de humanos e que depois deveria ser também substituído ou eliminado.
Voltemos a Abraão. No seu tempo era assim. O sacrifício de humanos estava na ordem do dia (Lv 18:21, 2Re 23:10). Isaque possivelmente já teria sido avisado pelos servos do pai e pelos coleguinhas de que ele era a vítima. Estava esperando que isso acontecesse com ele. Ao ir para o monte com o pai ele suspeitava  e esperava que o pai lhe falasse abertamente sobre isso. Tanto é assim que provocou o pai com a pergunta: onde está o cordeiro?(Gn 22;7,8)
Abraão não ia sacrificar Isaque a pedido do Deus de  Israel, mas para cumprir um ritual da época. Seu coração estava pesaroso porque era o filho da promessa, mas, ao mesmo tempo, era grato a Deus pelo milagre do seu nascimento. Era de Deus e a Deus seria devolvido. Esse era o seu pensamento.
Ao chegar  ao local  do sacrifício uma voz o detém e lhe diz compreender a intenção, mas que esse Deus a quem ele serve não quer sacrifícios humanos, não concede bênçãos com base em ofertas, não salva com base em obras  humanas. Nesse momento Deus oferece um substituto que é aceito por Abraão. Aqui sim se manifestou a fé de Abraão em aceitar o substituto. Ele compreendeu que o sacrifício quem faz é Deus, quem paga a conta é Deus. Compreendeu que Deus dá as bênçãos  sem esperar retorno, sem exigir pagamento (Mt 5:45).
Em toda Bíblia, a começar em Gn 3:15, transparece a história do substituto, da providência divina para a salvação. Dessa forma penso que a fé de Abraão se manifestou não na oferta do filho a um deus, mas na aceitação do substituto provido por Deus.
O difícil para Abraão não foi a subida ao monte, mas a descida. Ao subir ele foi como um homem da sua época, admirado por todos por estar disposto a cumprir a tradição de oferecer o filho aos deuses. Ao descer poderia ser visto como um homem frágil que não conseguiu cumprir com que era esperado dele.
Como explicar aos homens que Deus não aceitara a sua oferta, se havia “aceitado” a de tantos outros menos dignos do que ele? Como explicar que não foi covardia, mas uma determinação divina? Como explicar que o seu Deus não aceitara o seu sacrifício? Havia enganado os homens dizendo que ira sacrificar o filho?
Penso que a sua fé se evidenciou ao aceitar o substituo e por isso fico com a interpretação de Paulo.
Antonio Sales    profesales@hotmail.com
Nova Andradina, 29 de setembro de 2012.

domingo, 12 de agosto de 2012

O ESPÍRITO SANTO: INCLUSIVO OU EXCLUDENTE?


Não discuto o Espírito Santo. Se Ele é uma pessoa ou uma força, se faz ou não parte  da Trindade, deixo para os teólogos discutirem. Não é minha seara entrar em discussões dessa natureza. Considero perda de tempo porque não há como provar ou fazer verificações. É possível especular, mas não tenho visto nenhum benefício nisso. Não vejo as pessoas sendo melhores por discutirem esses assuntos. O que tenho presenciado são disputas estéreis, arrogância, pretensão de ser o dono da verdade, divisão por futilidades, inimizades. Tudo que se discute sobre isso é com base no que os outros, os antepassados creram. Ora, os antepassados creram em tanta coisa  errada, defenderam tantos mitos, pregaram tanta heresia, eram tão dominados pelo preconceito que fundamentar doutrina no que disseram e fazer de disso um  ponto de discórdia, é estupidez. Ou será que somente os antepassados sabiam das coisas? Só eles dominavam o conhecimento? Só eles entendiam a verdade?   O que se aprendeu ou construiu depois deles não tem valor?
Parto de pressuposto de que Ele ( o Espírito Santo) existe, porque Jesus fez referência a Ele e falou da sua atuação. Jesus enfatizou o que Ele faz, a Sua ação, e não entrou em detalhe sobre o Ser, sobre quem Ele  é. Pelo menos é o que me parece. Por essa razão não divago sobre a Sua essência e  vou em busca do que as pessoas creem sobre Ele ou esperam Dele.
Jesus, por exemplo, acreditava que Ele contribuía para melhorar as relações das pessoas com Deus e  com o próximo. Ele falou sobre isso em João  16. Segundo Jesus Ele seria o orientador, o professor, o conselheiro, alguém que indicaria a direção de um comportamento humano desejável. Sua função, nessa perspectiva, é motivar a busca pela direção correta a seguir. Ainda nessa perspectiva não creio que seja correto afirmar, como fazem alguns, que o Espírito Santo está se retirando da Terra. Vejo os  homens buscando ser cada vez mais tolerantes, mais compreensivos, colaboradores. Se não estão conseguindo  estão, pelo menos, tentando, defendendo essa postura. Para mim isso é evidência do Espírito Santo.
Para os apóstolos Ele era o inclusivo, isto é, aquele que abre as portas para que entrem a nações. Os gentios foram alcançados pela influência Dele.  O pentecostes (At. 2-3) revelou essa Sua função; a função de atrair, "seduzir", oportunizar, incluir.
Paulo foi orientado por  Ele, através de um sonho, para  pregar  aos macedônios. Nessa perspectiva, Ele é o motivador da busca pelos perdidos, o cativador dos ariscos, o incentivador das casas de recuperação de drogados.
Para o cristianismo clássico Ele é o excludente. É o juiz, o separador da  escória, aquele que beneficia quem já está sendo beneficiado.
Segundo esses cristãos para receber o Espírito Santo é preciso superar fraquezas, abandonar os vícios, andar corretamente, etc. Os que ainda não conseguiram essas proezas não têm o privilégio de recebê-lo.  Essa visão parece estar na contramão do que Jesus disse. Segundo o registro do evangelista Mateus (Mt 9:12  ) Cristo disse que os sãos não precisam de médico. Os que se salvam a si mesmos podem  dispensar o Espirito Santo, os que já sabem tudo o que deve ser feito não necessitam dele. Os que sabem o caminho não necessitam  de guia.
Penso que é preciso rever o que se prega sobre o Espirito Santo deixando de lado questões especulativas, ou melhor, divergências originadas na especulação. É preciso pensar nos benefícios que Ele pode trazer, na  compreensão e tolerância que  pode resultar da Sua atuação, no avanço do conhecimento e no compromisso com a ética que pode vir em decorrência.
Precisamos de um Espírito Santo inclusivo. Chega de exclusão.

Nova Andradina, 12 de agosto de 2012.
Antonio Sales            profesales@hotmail.com

domingo, 29 de julho de 2012

O SÁBADO FOI FEITO POR CAUSA DO HOMEM



O texto está em Mc 2:28 e pretendo analisá-lo sob outra ótica. Posto neste blog os textos que considero difíceis  de digerir. São textos para serem ruminados longamente e com calma. Coloco em xeque a ortodoxia de alguns intérpretes. Disparo o “tiro” numa direção não esperada pelo leitor.
A questão que me intriga é: o que significa o sábado ter sido feito por causa do homem?
Vou com calma porque preciso eu mesmo apreender o significado do que escrevo.
Quando recorro a Gênesis percebo que as plantas foram feitas por causa do homem. Que homem? Um homem que precisava viver bem, respirar saudavelmente, se alimentar de frutas e cereais, etc. As plantas estariam a serviço do homem. Embora coubesse a ele o dever de protegê-las teria que combater as ervas daninhas, isto é, aquelas que, dentre elas, seriam prejudiciais.
Nesse mesmo contexto vejo que a mulher foi feita por causa do homem. Que homem? Um homem que estava sem uma igual, que precisava dialogar, comungar afeto, perceber-se  não sendo único e nem a única forma possível. A presença da mulher traria benefícios para o homem. Haveria  entre eles uma parceria, respeito mútuo e um estaria serviço do outro. Haveria embate entre eles, um embate para o crescimento de ambos.
Mais tarde, no Monte Sinai (Ex 20) Deus deu a lei para o homem. Que homem? Um homem escravizado por séculos, desumanizado, que perdera a autonomia de pensar e agir sozinho. Um homem livre fisicamente e escravo mentalmente. Sua mente estava entorpecida, seu coração marcada pela mágoa, sua vontade estava domada e a autoestima lançada ao chão. Era preciso humanizar esse homem, primeiramente mostrando-lhe que os deuses egípicos eram frágeis (as pragas evidenciaram isso), que o Deus do hebreus  era suficiente e dominava sobre a natureza (os relâmpagos e trovões no Sinai, a abertura do Mar Vermelho e o Maná evidenciaram isso) que era preciso repousar e que era necessário respeitar.
Mas o que é descansar, respeitar, confiar? Para um homem livre, protegido, pode não haver dúvidas. E para o perseguido, para o odiado, para o subjugado?
“Não matarás” é um preceito subjugador do instinto selvagem que se instala no coração de um escravo empoderado às pressas. “Promova a vida” seria um preceito libertador difícil de ser compreendido naquele momento. Se não direciono uma arma contra você eu cumpro o preceito “não matarás” ainda que o deixe morrer à míngua, ou que me afaste sem socorrê-lo ao vê-lo sangrando à beira da estrada. No entanto, para respeitar o preceito “promova a vida”, além de não matar devo socorrê-lo. Foi o que Jesus disse mais tarde (Mt 5:20): “se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus  não entrareis no reino dos céus”.
O mesmo se pode dizer do preceito “não adulterarás”, que significa, não vá para a cama com outro(a), é amordaçador. “Respeite o cônjuge”, “respeite o outro” , “controle-se”, ou honre o compromisso para com aquela pessoa a quem se uniu, é a versão libertadora desse preceito. Jesus diz isso em Mt 5:28-30. A forma negativa proíbe e a forma positiva estimula, liberta.
Dessa forma vemos que  na condição em que se encontrava o hebreu que saiu do Egito os preceitos tinham que ter a forma como foram apresentados, negativos. Depois Deus esperava que eles fossem lidos de outro modo, que fossem vistos pelo lado positivo.
Prender-se ao “não” é ser escravo. Ver o preceito pelo lado positivo é libertador. Tiago (Tg 2:10-15) fala da lei da liberdade que é a lei da misericórdia, do agir em favor do outro. É essa lei que nos protege da condenação (Mt 25: 31-46 ).
 Como mandar alguém repousar  tranquilamente quando ele, primeiramemnte,  se descobre livre e quer agir e, em segundo lugar, precisa se proteger do incerto naquele deserto desconhecido? Aquietai-vos é a ordem, mas como obedecê-la sem uma delimitação temporal especialmente para quem viveu toda a vida sob ordens expressas? Como levar tal pessoa ao descanso sem proibir de trabalhar?
É aqui que entra a questão inicial
Deus delimitou, mas Jesus deu outra dimensão. Dimensão essa somente percebida pelo apóstolo Paulo (Hb 4:8-10) que afirmou que Deus tinha em mente o repouso da alma, produto da confiança em Cristo. O repouso físico era pretexto. O tempo delimitado era para coibir excesso de atividade por parte de quem se via livre pela primeira vez. O tempo delimitado era para provar que o Deus dos hebreus proveria o maná, faria milagres. Era para dizer: “podem descansar em Mim”.
O sábado foi feito por causa do homem, isto é, para ensiná-lo a repousar, descansar (não só fisicamente)  numa época em que isso era algo estranho para ele. Confiar quando Deus disse que mandaria ao maná em dobro era o mesmo que aprender que Deus cuidaria de outros aspectos da vida deles.
Portanto,  hoje ainda faz sentido um dia especial de repouso com uma série de limitações? Para quem ele faz sentido? O que nos dizem as inúmeras exceções (chaveiro, borracheiro, taxista, serviço de energia, polícia, etc.) que precisam ser abertas para adequar o repouso às necessidades do homem neste século?  Como posso descansar sem que a polícia esteja nas ruas?  Como posso descansar sendo eu um recepcionista de hospital, policial, segurança, autossocorrista, taxista, motorista de ônibus urbano, encarregado da limpeza do hospital, motorista de ambulância, etc., se o meu próximo precisa do meu serviço? As questões são tantas quantas quisermos.  As exceções também.
Qual a  contribuição do preceito limitado ao “não farás nenhuma obra” para o ser humano que deseja contribuir? É possível descansar em Cristo sem descansar no sábado? É possível descansar no sábado sem descansar em Cristo? A qual descanso se deve dar ênfase? Se o aprendizado da confiança em Cristo e da apropriação da  graça não ocorrer, há descanso?
Como o sábado pode ser algo a nosso favor, estar a serviço do homem se estiver cercado pelo formalismo? Ainda precisamos de proibições para descansarmos? O descanso em Cristo não provém de uma “ordem” superior de relacionamento? Não é um  descanso que repousa na ação em busca do crescimento e do serviço? A guarda do sábado é uma aliada do cristão que quer servir ao próximo (como taxista, borracheiro, chaveiro, mecânico, recpcionista de hospital, policial, bombeiro etc.) nos seus momentos de tensão?
Não é necessário haver depuração nessa relação homem/sábado?  Isto é, não se faz  necessário eliminar inconvenientes, encolher o formalismo, ampliar a abertura para ação, etc.?
Se as necessidades são outras, se a relação homem/mulher, nas sociedades desenvolvidas, mudou para melhor, se a relação homem/natureza está sendo revista, não será preciso repensar a nossa relação com Cristo e com o serviço para entender o que ele disse em Mc 2:28? Por que Ele disse isso naquele contexto?

Todas as pessoas descansam em Cristo da mesma forma e ao mesmo tempo? Há uma fórmula precisa para o descanso espiritual? Se alguém descansa em meio à tempestade e outro não consegue descansar nem em plena bonança é possível estipular um horário para que os dois descansem juntos?
É possível estipular um horário para que os dois se encontrem, mas estarão ambos descansados?

Para incrementar a discussão sugiro a leitura de:
Nova Andradina, 20 de fevereiro de 2012.
Antonio Sales    profesales@hotmal.com