Escrevi
no texto anterior que existo porque o outro existe e que me constituo na
diferença. Sou professor porque há alguém que é aluno, sou pai porque há alguém
que é filho, sou eu porque sou diferente de você e assim por diante. Em alguns
aspectos me constituo na diferença e em outros sou dependente da existência
outro para existir.
Nessa
linha de raciocínio, para mim, Deus só é Deus porque há alguém que não é Deus,
ou melhor, consigo saber o que é Deus, porque conheço alguém que não é Deus.
Consigo imaginar a sua perfeição por oposição à imperfeição que conheço. Penso em um Deus de bondade e o almejo assim, porque a maldade me incomoda. Se não conhecêssemos os contrários não teríamos como definir bondade, perfeição, professor, pai, etc.
Consigo imaginar a sua perfeição por oposição à imperfeição que conheço. Penso em um Deus de bondade e o almejo assim, porque a maldade me incomoda. Se não conhecêssemos os contrários não teríamos como definir bondade, perfeição, professor, pai, etc.
Imaginemos
um professor dos anos iniciais que, muito solicito em definir para o seus o que é um
número natural, dissesse aos alunos: “número natural é aquele que serve para
contar”. Um garoto ativo perguntaria ao pai, após a aula: “tem número que não
serve para contar?”.
Não conhecendo outros conjuntos numéricos essa
definição não faria o menor sentido para o aluno, embora fizesse para o
professor.
Supomos ser possível existir Deus sem que
exista ser humano, nas não é possível explicar o que é ser Deus sem esse não
ser. Entendemos Deus como algo que não é humano. Confesso que tento imaginar
que seria um criador sem criaturas, mas não consigo.
Para escapar dessa discussão Deus diz que Ele
é Aquele que É. “EU SOU” disse a Moisés (Êx 3: 14). Eu Sou aquele que é, cuja
existência independente da sua, teria dito Ele a Moisés.
Nisso
Deus é diferente de mim. Enquanto eu sou porque não sou, Ele é porque é.
Enquanto eu me constituo na diferença
Ele diz se constituir por si mesmo. Aí está algo que não consigo
compreender, que escapa ao meu nível intelectual. Imagino que seja um dos mais
complexos mistérios da fé cristã. Não consigo imaginar um criador sem criatura,
um pai sem filho, um governador sem governados. São minhas limitações.
Talvez
Ele seja criador de Si mesmo. Aquele que se basta a si mesmo, que se mede por
si mesmo. Não consigo penetrar nesse mistério.
Para nós,
humanos, dizer que eu sou do meu tamanho parece óbvio demais para ser aceito
como definição de tamanho. Dizer que sou igual a mim, que me pareço comigo
mesmo, parece piada que se faz entre amigos. Quando Deus diz que É como É me
deixa confuso.
Posso
afirmar que sou porque não sou. Sou masculino porque não sou feminino, sou
humano porque não sou Deus e nem irracional, sou idoso porque não sou jovem, e
assim por diante. Essa concepção de mim mesmo traz implicações importantes tais
como: sou responsável pelos meus atos porque não sou controlado. Sou livre porque
não me permiti ser escravo. Sou responsável pelo que falo e escrevo porque não
há ninguém ditando para mim as palavras que escrevo.
Pensemos
agora na hipótese absurda de Deus estar ditando em meus ouvidos as palavras que
escrevo. Nesse caso, eu não seria o autor, não seria o artista da palavra,
seria uma máquina de escrever. O autor seria Ele. Se os profetas tivessem
simplesmente repetido o que Deus lhes dissera, seriam simples papagaios ou
máquinas falantes.
Uma mãe que recebesse orientações diretas de Deus para educar os seus filhos não seria mãe no sentido pleno da palavra. Seria uma matriz, uma geradora de filhos.
A plenitude humana somente é alcançada quando assumimos a responsabilidade por aquilo que fazemos. A plenitude está na liberdade, na ausência de imposições.
Uma mãe que recebesse orientações diretas de Deus para educar os seus filhos não seria mãe no sentido pleno da palavra. Seria uma matriz, uma geradora de filhos.
A plenitude humana somente é alcançada quando assumimos a responsabilidade por aquilo que fazemos. A plenitude está na liberdade, na ausência de imposições.
Nesse
ponto faço uma bifurcação no meu arrazoado. Aponto para duas conclusões
distintas nessas considerações.
A primeira é que Deus, em Seu amor para com o
ser humano, precisa se ausentar para que possamos crescer, para que possamos
desenvolver nossas potencialidades. Nosso crescimento físico, moral e ético
depende de enfrentamentos dos problemas que surgem e frequentes tomadas de decisão.
Dessa forma, diferentemente do que pensamos, por mais estranho e paradoxal que
pareça, o amor de Deus se manifesta na Sua
ausência, a sabedoria de Deus Se revela no Seu silêncio diante das nossas
orações (porque estimula a buscar saídas, criar soluções), o Seu cuidado se
revela na autonomia que nos concede para agir (porque produz responsabilidade).
Preciso
ser e, para ser, preciso não ser. Isso tem implicações tais como: preciso
aprender a ser responsável e para isso é preciso que não seja sempre protegido.
Preciso desenvolver a minha identidade pessoal, ser diferente dos outros, ter minhas
próprias realizações, mas para isso preciso não ser controlado, não ser assistido a todo instante.
As mães excessivamente cuidadosas criam os "filhinhos da mamãe" e os professores tradicionais produzem alunos que não pensam. Para ser humano preciso não ser uma cópia de Deus e Ele sabe disso.
As mães excessivamente cuidadosas criam os "filhinhos da mamãe" e os professores tradicionais produzem alunos que não pensam. Para ser humano preciso não ser uma cópia de Deus e Ele sabe disso.
A segunda
bifurcação nessa estrada que esbocei é uma crítica ao modo como se comportam
certos pregadores de determinadas denominações religiosas que tenho visitado.
Partem do pressuposto de que foram inspirados por Deus para proferir o sermão.
Consideram-se isentos de erro no que falam, isto é, posicionam-se acima da
critica dos seus ouvintes porque, dizem eles, receberam e transmitem a
palavra de Deus. O problema dessa
perspectiva é que os pregadores não crescem como pessoa e nem como expositores
de uma mensagem. Se estão assessorados por Deus, então não precisam procurar
melhora na sua exposição. Se representam
a Deus, então não são humanos normais, são dotados de autoridade
sobre-humana. Tornam-se extraterrestres ao apresentar o seu discurso perante a
congregação.
Nesses
casos, suponho que Deus não confia neles, pois, se confiasse os deixaria errar
para aprender. Suponho que Deus não os ama, pois, se os amasse
dar-lhes-ia-autonomia. Se os amasse faria com eles o que fez com Adão e com
Caim. Daria liberdade de escolha. Esse é o modo divino de amar: dar liberdade e
responsabilizar.
O mais
provável, porém, é que não queiram ser livres, não se sintam capazes de
enfrentar a crítica, não sejam preparados para usar a autonomia, não sejam
pessoas crescidas.
Nova
Alvorada do Sul, 05 de junho de 2014.
Antonio
Sales