Esse meu postulado de que o deus truculento do Antigo Testamento (AT) é uma invenção judaica para justificar as atrocidades praticadas em nome da religião permite-me fazer algumas conjeturas que outro postulado não permitiria. Lembremos que a história clássica tem só um lado: o lado dos vencedores. Ninguém que morreu voltou para nos contar a causas mortis. Muito menos para contar em que proporção a luta se travou ou os desafetos que sofreram antes da reação.
Estou pensando em Coré, Datã e Abirã que segundo o relato bíblico foram sepultados por um terremoto ou vala aberta pela natureza contristada por terem se insurgido contra Moisés e contra Deus. Em Nm 16 está registrado que eles provocaram uma rebelião por terem duvidado que Moisés estivesse conduzindo-os a algum lugar. Na realidade são quatro pessoas: Coré (líder, da tribo de Levi), Datã, Abirã (irmãos) e On. Após um longo tempo vagando no deserto, passando muitas vezes pelo mesmo lugar, eles suspeitaram que Moisés estivesse enrolando o povo. Talvez tivesse com medo de enfrentar os povos inimigos, talvez estivesse cansado, desgastado ou sentindo-se abandonando por Deus. A sua idade avançada levou-os a suspeitar de anormalidade na direção.
Corrupção na liderança? Influências negativas dos seus sobrinhos? Perda de objetividade? Medo? Falta de assistência divina?
Eles se puseram nas “ruas” como os “caras pintadas” para destituir um líder e eleger outro. Nós que estamos muitos séculos depois e olhamos para trás, pelo viés da história dos vencedores, vemos um fiasco, uma rebelião apenas. No lugar deles, olhando para frente, vendo o futuro incerto e suspeitando de engano o que faríamos? O que a história contará de nós?
As mulheres, no passado, eram dominadas pelo poder masculino. O futuro delas era mais incerto do que o dos homens até que em algum tempo uma(s) mulher(es) suspeitaram de que algo estava errado e que poderia ser diferente. Iniciou(aram) o movimento, pagou(aram) com a vida essa ousadia e hoje a história das mulheres (em muitos países) é outra. Aquelas “bandidas”, “corruptoras dos bons costumes”, “desordeiras" e "avessas à ordem constituída” hoje são heroínas.
Graças à ousadia delas as mulheres de hoje, pelo menos nos países que evoluíram, são respeitadas. Elas (as ousadas) morreram, mas o mundo não foi mais o mesmo depois delas.
Os quatro homens da nossa história ousaram tentar reverter um quadro e morreram como “bandidos”, mas será que o mundo foi o mesmo depois deles? Será que a peregrinação não tomou novo rumo depois daquela manifestação? Será que não houve reformulação na liderança de segundo escalão?
Eles morreram, mas conseguiram incomodar e depois disso “Deus” se manifestou novamente fazendo florescer “vara de Aarão” (Nm 17). Eles romperam o silêncio divino e é possível que o povo tivesse mais voz perante Moisés depois disso. “Deus” reconheceu que precisava dar uma resposta ao povo. Finalmente, eles foram sepultados em uma vala aberta por “Deus”. A terra os engoliu e milhares de pessoas são engolidas hoje nos países totalitários. A terra ainda consome, nos países pobres em que a falta de assistência antecipa a vida jovens, milhares abrindo as suas fauces sem piedade e engolindo-os em seus cemitérios. Morrem sem direito a uma história digna.
Não estou defendendo Coré, Datã, Abirã e On, estou apenas conjeturando a partir do meu postulado. Não conheço nenhuma outra versão da história deles. Sei apenas o que me foi contato pelo vencedor.
Se o leitor partir de outro postulado fará outras conjeturas. A história é a mesma, mas as conclusões podem ser diferentes. Meu postulado é que os crimes e equívocos cometidos naquele tempo não devem ser atribuídos a Deus. Foi erro da liderança que, para desculpar-se, atribuía tudo à divindade como era comum a todos os povos daquela época.
Nova Andradina, 28 de agosto de 2011.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
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