Translate this blog

domingo, 25 de setembro de 2011

O CRISTÃO: FORASTEIRO OU RESIDENTE?


Na hinódia cristã há alguns hinos clássicos que merecem uma análise especial. Parece que o autor da letra passava por uma experiência ímpar em sua vida e conseguiu verbalizá-la no poema. É possível sentir a angústia que lhe oprimia a alma e o seu desejo de “gritar” por socorro.
A questão que fica é se é uma letra apropriada para ser usada como canto congregacional, indistintamente. Qual a mensagem que ele transmite ao ouvinte? Que lição ensina a quem não está afeito a reflexões sobre a vida cristã, isto é, a quem pauta a sua vida e até mesmo a sua cultura por frases isoladas?
Alguém poderia perguntar: mas, e quem são os que constituem a sua “sabedoria”por frases isoladas?
Qualquer pessoa medianamente culta sabe do que estou falando. Sabe que não são poucos os pregadores que fundamentam as suas doutrinas em textos isolados do contexto e nem se dão ao trabalho de recontextualizá-los. Nem os colocam no contetxo original e nem criam outro contexto para eles. Simplesmente citam-nos e pronto. Há muitos que fundamentam até os seus julgamentos sobre comportamentos pessoais com base em fatos isolados. Inúmeras pessoas, até supostos intelectuais, fazem compilação pura e simples, anexando textos, originalmente isolados, um ao outro sem qualquer conexão que explique porque está sendo feita aquela junção.
Eu já fiz isso por muito tempo e conheço centenas que norteiam a vida por frases isoladas, elaboram sermões com textos descontextualizados, julgam tendo como critério fatos ou frases isoladas. Muitos dos que conheço, e que fazem isso,  julgam-se intelectuais e são considerados como tais pelos seu pares. Não é uma crítica, é uma constatação. Já fiz coro com eles.
Esse é o perigo de se usar qualquer canto congregacional sem uma análise da mensagem que se quer transmitir e sem um esclarecimento ao público ouvinte.
Um hino que conheço e que pertence a essa categoria tem como refrão: “Sou peregrino e forasteiro, uma noite aqui e nada mais”. Esse hino que foi escrito por MBS Dana uma senhora que viveu no século XIX (1810-1883) tem uma melodia muito bonita. É um melodia tradicional italiana que mantém a alma do adorador em suspense. A letra fala de esperança também, porém uma esperança por contraste. Isto é, fala do andar “errante” no “escuro” do munto e da luz que existe no céu.
Que andar errante é esse? Enveredou ela pelo mundo das drogas e da prostituição? Viveu no escuro da ilegalidade e agora se volta para luz do evangelho cheia de esperança? Foi uma esposa maltratada pelo esposo ou uma jovem explorada pelo pai que ansiava por liberdade? Sua luz seria um milagre que a arrebatasse da vida que levava? Era portatora de uma doença e desejava a cura definitiva? Qual era a sua angústia, o escuro da sua vida? Qual era a luz que ela ansiava?
A frase do refrão é preocupante quando pronunciada isoladamente.  O que faz um forasteiro? O que deixa ele como herança? Se esse forasteiro for, além disso,  um peregrino qual a sua lição de vida?
Embora forasteiro e peregrino possam ser tomados como ternos sinônimos estou admitindo uma certa diferença sutil entre eles. O forasteiro, na minha concepção,  é qualquer passante. Um peregrino é alguém que deixou as suas origens e executa um trajeto bem definido, um caminhante com um motivo especial; alguém que caminha para algum lugar.  Segundo a Wikipédia “A peregrinação tem, assim, um sentido e um valor acrescentado que é necessário descobrir a cada pessoa que a executa”.
Mas o que faz um peregrino em benefício do lugar por onde passa? Nada.
Ele não semeia, não cultiva uma planta, não cava uma cisterna, não constrói uma casa, não apóia  uma escola, não abriga uma criança, não dá esperança uma jovem e não zela pelo local. Seu olhar está no “além”. Passará por aqui uma única vez, pedirá ajuda, pernoitará ao relento ou em um abrigo improvisado e seguirá em frente sem deixar herança cultural, emocional ou material. Ele não cria vínculos por onde passa.
Se sou apenas um peregrino aqui nesta terra, se passarei apenas uma “noite”(minha vida é uma noite?) o que me interessa fazer por este lugar? Estabelecerei uma relação ecológica? Estabelecerei uma relação afetiva com o contexto social onde vivo?  Serei sempre um “estranho no ninho”? Terei projetos sociais? Para que tudo isso se passarei apenas um “noite”? Um “noite” cheia de medo, “desabrigado”? Todos deverão ser sempre estranhos para mim?
É essa a vida que quero para mim? Deve ser essa a minha pregação para os fiéis? Será que de fato devo ser um peregrino?
Tenho ouvido de cidades onde por muito tempo havia vandalismo contra pontos de ônibus, telefones públicos, etc. Morei em uma delas e vivenciei isso por algum tempo. Pela experiência que tive e pelo que me contaram sobre outras cidades a minha conjetura (não sou sociólogo) é que essas cidades eram pontos de passagem, isto é, as pessoas saíam de suas terras em busca de algo melhor em outro lugar e essas cidades ficavam no “caminho”. Por acaso, ou por falta de recursos, estabeleciam residência nela, mas pensavam em um dia prosseguir. Seus filhos não era filhos dessa cidade, logo, não tinham compromisso com ela. Em alguns casos essas cidades eram apenas o lugar de buscar recursos para a família que ficara para trás e, por alguma razão (muitas vezes não planejada), estabeleciam  residência ali e constituíam família. Também nesses casos, os seus filhos não eram filhos daquela cidade.O passante não cuida, não tem projetos, não investe no local.
Alguns cristãos tornam-se peregrinos até na igreja. Não investem nela, não apóiam novos projetos e não cultivam amizades.
E eu? Sou peregrino e forasteiro ou sou um residente responsável que constrói uma ponte para o futuro?
Nova Andradina, 24/09/2011.
Antonio Sales  profesales@hotmail.com

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Religião para a Adoração ou para a Vida?

Algumas religiões estão centradas na adoração, a saber, todo discurso, todo preparativo, toda instrução, enfim, tudo está voltado para a adoração. Cuidam de como se portar na “Casa de Deus”, como adorar, qual o traje apropriado e qual a conversa permitida na ”presença de Deus”. Esses são temas frequentemente abordados nos sermões e outras reuniões ou sessões de estudo. Esse é o enfoque dessa religião.
As questões contemporâneas, os relacionamentos familiares tumultuados, a profissionalização do jovem, a superação dos preconceitos, a saúde mental, as questões éticas e a decência (não a moda) dificilmente são temas abordados nos sermões e não entram em pauta nas discussões. Não é uma religião da vida e para a vida, porque não se preocupa com as coisas da vida.  
Meu amigo César Augusto disse que é uma religião que não sai dos joelhos. Ela não sobe para o coração e nem para o cérebro. Não impregna a vida, não estimula a ação, não promove a autoestima e não traz realizações pessoais. Tudo se “resolve” com o joelho.
Com esse perfil essa religião deixa de interferir na vida das pessoas, falha em transformar comportamentos, estreita a mente, produz hipocrisia, leva à indiferença para com as necessidades alheias e desconsideração para com as diferenças individuais.
A linguagem desenvolvida por essa religião é o espiritualês. Tudo na vida tem motivação espiritual (anjos do bem ou anjos do mal conduzem a vida), todos os problemas se “resolvem” pela oração (especialmente se o problema é do outro), Deus sempre “mostra” o caminho (até os caminhos errados que sempre tomamos?) e sempre responde as orações.
O problema, na fala dos adeptos dessa religião, é que por vezes (lê-se: raramente), Ele diz sim, por vezes (lê-se: quase sempre) diz não  e outras vezes manda esperar [por tempo indeterminado].
Há muita diferença entre o não definitivo e o espere se o tempo de espera é indeterminado?
Nessa perspectiva Deus,  na melhor das hipótese, responde um terço das orações. Para um terço delas Ele diz não e a outra terça parte Ele ignora. É uma religião em defesa de Deus porque sempre se encontra uma explicação para o comportamento dEle. É a adoração a um Deus que precisa ser defendido, mas se Ele precisa ser defendido  não há algo errado com Ele (ou com o adorador)? No livro de Juízes há o relato de que Gideão derrubou o altar de Baal e que todo o povo da aldeia se levantou contra ele e queriam a sua cabeça. Então Joás, o pai do ousado jovem, enfrentou a turba com essas sábias palavras: “Porém Joás disse a todos os que se puseram contra ele: Contendereis vós por Baal? livrá-lo-eis vós? qualquer que por ele contender, ainda esta manhã será morto: se é deus, por si mesmo contenda; pois derribaram o seu altar” (6:31).
Se Ele é Deus porque é necessário que O defendamos? Precisamos encontrar desculpas (ou culpados) porque Ele não responde certas orações?
Essas questões não fazem parte do espiritualês. Nessa língua a pergunta mais importante é: o que fizemos de errado na adoração para que Deus não nos ouça?
Mas o espiritualês não termina por aqui. O atrasado que perdeu o ônibus diz que foi Deus que quis evitar algum problema, o pregador que não prepara o sermão ora para que Deus o ilumine na hora de pregar e depois atribui  a Deus  todos os lapsos éticos e conceituais que comete.  Descaradamente afirmam: falei o que Deus quis que eu falasse. Ou então Deus me inspirou a falar isso.
Não seria melhor sair de casa mais cedo para chegar a tempo no ponto de ônibus do que ficar tentando ver a Deus onde Ele não está? Não seria melhor estudar para preparar um sermão que dignifique a Deus, ao pregador e ao público?
A religião judaica era uma religião de adoração. Toda vida do judeu, toda atividade social desse povo, toda religião judaica estava centrada no templo. Se os judeus colhiam pouco é porque não estavam sendo fiéis a Deus ou então era porque estavam trazendo oferta indevida ao templo.
Deus, através do profeta Jeremias condenou esse pensamento. O profeta registrou a seguinte ordem do Senhor:
Põe-te à porta da casa do Senhor, e proclama ali esta palavra, e dize: Ouvi a palavra do Senhor, todos de Judá, os que entrais por estas portas, para adorardes ao Senhor. Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Melhorai os vossos caminhos e as vossas obras, e vos farei habitar neste lugar. Não vos fieis em palavras falsas, dizendo: Templo do Senhor, templo do Senhor, templo do Senhor é este. Mas, se deveras melhorardes os vossos caminhos e as vossas obras, se deveras fizerdes juízo entre um homem e entre o seu companheiro, se não oprimirdes o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, nem derramardes sangue inocente neste lugar, nem andardes após outros deuses, para vosso próprio mal, Eu vos farei habitar neste lugar, na terra que dei a vossos pais, de século em século”(Jer 7: 1-7).
A mensagem não deixa margem para especulação. Não era a adoração que garantiria a prosperidade do povo, mas a justiça, a ética, o apoio ao fraco, o respeito à vida e não praticar as violências e indecências que as outras religiões autorizavam e aplaudiam.
Ficou claro no texto que o templo, isto é, a adoração não traz garantias e que Deus prefere uma religião para a vida.
Nova Andradina 09/09/2011
Antonio Sales                             profesales@hotmail.com