Há no meio cristão um debate sobre a composição da divindade que se arrasta ao longo dos séculos. Uns defendem o monoteísmo e outros, a trindade.
Já vi absurdos na tentativa de explicar ou defender a crença trinitariana. Já vi curiosas tentativas de justificá-la. Uma delas consiste em usar um princìpio matemático. Dizem os que a defendem que assim como 1x1x1=1 então a trindade (que significa três pessoas em uma só divindade) faz sentido. Só não explicaram porque não usam o princípio da adição onde 1+1+1=3. Tais explicações parecem-me carente de sentido, desprovidas de qualquer significado ou necessidade.
Já vi unitarianos zombando dos trinitarianos e dizendo que eles adoram um deus com três cabeças. Para que serve esse tipo de provocação? Alguém já viu a divindidade? Foi consultado por ela? Teve acesso aos seus mistérios, paradoxos, potenciliadades ou sistema de organização?
De qualquer forma tenho pensado ser este debate sobre a divindade um tanto inútil, do ponto de vista prático.
Ele deve ser muito interessante do ponto de vista teórico, para um estudioso da Teologia. Os teólogos precisam especular, no sentido de conjecturar, e procurar explicações para as suas especulações. São essas especulações que dão sentido à atividade do teólogo. É isso que justifica a sua existência como estudioso de uma matéria. Um estudioso que não especula, que não vai além do que está posto, não pode ser considerado um intelectual. Portanto, nada contra as especulações sobre a divindade desde que se explicite que se trata de uma espaculação, desde que as suas conclusões não sejam postas como base para julgamento de seres humanos. Desde que não usem suas conclusões para segregar, para punir ou dividir.
Minha conclusão é que o leigo que não tiver interesse nesses debates não precisa perder tempo com eles. Penso que a salvação de alguém não está condicionada à compreensão desse assunto.Vejamos algumas razões:
Em primeiro lugar porque Deus não condicionou a salvação a essa compreensão. Encontramos evidências disso na história sagrada.
Quando Deus resolveu constituir uma nação teocrática foi buscar um homem, Abraão, criado no politeísmo (Js 24:2) e depois um povo (os escravos israelitas no Egito) constituído em um ambiente também politeísta. Quando o povo chegou no deserto do Monte Sinai Ele procurou mostrar-lhe que não precisaria mais de muitos deuses; que um Deus seria suficiente. Para isso fez chover fogo, mandou maná, produziu relâmpagos e trovões (Êx 19: 18,19). Sua intenção era mostrar ao povo que o politeísmo era uma redundância, que não precisariam de um deus para cada fenômeno natural (chuva, seca, fertilidade, trovão, etc.), que bastaria um Deus competente, isto é, com qualidade moral e ética, com força, inteligência, criatividade e controle suficientes para dominar a natureza, orientar os relacionamentos humanos e criar instituições sociais.
Bastaria um Deus. Era o monoteísmo sendo implantado, a apresentação do princípio de que basta uma instituição divina organizada. Um Deus unido é superior a múltiplos deuses que vivem em constante disputa entre si. Concluo, com base nesse raciocínio, que a salvação não está condicionada à compreensão prévia dos mistérios da divindade.
Em segundo lugar creio que tal compreensão é desnecessária porque a divindade não nos consulta sobre as decisões a serem tomadas. Ela arbitrariamente decidiu (ou decide) em algum tempo fazer uma (re)distribuição de tarefas. Para tal constituiu-se de três pessoas, segundo os trinitarianos.
Por que três e não quatro, dez ou quarenta? Precisamente não sei, pois, como disse, não fui consultado. Por que fiz referência a três pessoas? Porque pela leitura da Bíblia (Jd 20,21; 2Co 13:13) encontro três nomes relacionados ao assunto e não creio que algum deles seja usado como simples instrumento pelos outros. São três pessaos ou uma pessoa com três nomes, cada nome indicando uma função (as três mais importantes no plano da salvação)? Também não sei.
Posso provar que são somente três ou exatamente três? Não estou preocupado com isso. Nesse caso, como fica, para mim, essa questão, isto é, como entendo essa questão da divindade ou a relação entre os seus membros?
Tenho encontrado soluções próprias para os meus problemas intelectuais. Crio minhas próprias explicações quando as outras não me satisfazem. Aprendi que nessas áreas de conhecimento tudo depende do referencial que se adota e adoto meus prórpios referênciais. Deixo o leitor livre para concordar ou discordar de mim. Faço minhas próprias definições porque até agora não encontrei nenhuma outra que me satisfizesse.
Tenho pensado na questão em termos de qualidade e quantidade. Em termos de qualidade a divindade é unitária, autossuficiente, capaz de resolver sozinha todos os problemas relativos à redenção humana. Qualitativamente ela é única, a única instituição do gênero. Ela basta-se a si mesma, basta para a teologia, basta para o projeto de redimir e restaurar.
Quantitativamente ela se constituiu como quis e distribuiu as tarefas como Lhe aprouve. Portanto, a quantidade de elementos que a compõem é, no meu entender, irrelevante em termos práticos. Pode ser um bom assunto para debates, mas não altera a minha condição. Não me santifica mais, não me engrandece mais se acreditar que são três pessaos ou apenas uma. Não tenho visto diferença nos relacionamentos humanos resultante de se acreditar na trindade (três pessaos divinas), na dualidade (apenas duas pessoas) ou na unidade (apenas uma). O que me parece fazer diferença é permitir que algum (ou todos) membro(s) da divindade atue(m) na pessoa ensiando-a a respeitar a compreensão do outro.
Talvez possa ser interessante discutir a função de cada membro da trindade ou o significado de cada nome, mas não é imprescindível. Vejo nesse estudo das funções um bom campo de especulação teológica que, no entanto, não interfere na salvação e não justifica o debate segregacionista que decorre dessa especulação.
Do ponto de vista intelectual acho muito interessantes os estudos existentes nessa área. Gosto de ver as fronteiras do conhecimento sendo expandidas, mas não vejo porque essa expansão deva segregar. É bom conhecer, especular, debater respeitosamente o assunto desde que não se use isso para amedrontar, desqualificar ou julgar o ser humano.
Dourados,MS, 07de janeiro de 2012.
Antonio Sales profesales@hotmail.com