Evidentemente que um teólogo daria uma resposta a essa pergunta muito diferente da que vou dar. Já convivi com alguns e já li o que outros escreveram sobre isso. Vou pegar um caminho diferente. Minha resposta não é teológica e não tem a pretensão de ser o ponto final de um debate sobre o assunto. Quem quiser pode sentir-se livre para discordar de mim. Este é um espaço para debate, um debate respeitoso, sincero, mas um debate.
Muitas instituições religiosas perderam a razão da existência porque perderam a finalidade original, a finalidade para a qual foram criadas. Hoje elas ainda atuam, mas com outras finalidades, embora mantenham o nome original e conservem no seu estatuto a finalidade original como objetivo ou como meta principal.
Alguns pregadores orgulham-se de pertencer a uma igreja que mantém a “sã doutrina”, a originalidade, sem se darem conta de que tal coisa não existe mais.
Gosto de trabalhar com exemplos e para não expor uma instituição específica vou “criar” uma denominação religiosa hipotética. Falarei da instituição Z.
O(s) pioneiro(s) ou o(s) fundador(es) de Z acreditava(m), por exemplo, que Jesus estava retardando o Seu retorno à terra porque não havia um povo preparado para recepcioná-lo e empenhado em anunciar a Sua volta. A instituição Z foi então fundada com essa dupla finalidade: proclamar a volta do Senhor Jesus e preparar um povo para a grande recepção.
O entusiasmo com que pregava(m) conquistou muitos membros e para bem atendê-los contratou (foram contratados) pastores e criou-se uma estrutura organizacional.
No início todos os pastores centravam a sua mensagem na esperança e no preparo moral e espiritual dos membros. Tendo em vista, porém, que as décadas foram se passando sem que ocorresse o esperado retorno de Cristo, e tendo observado que a elevação moral do povo nunca atingia o patamar esperado, os pregadores começaram mudar o foco da pregação. Já não falavam mais de esperança, já não mais estabeleciam patamares de excelência moral, já não mais falavam em renúncias, já não mais insistiam na proclamação do esperado retorno.
Pode-se dizer que nesse ponto a igreja perdeu a razão original da sua existência e, diante disso, ela devia parar as suas atividades. No entanto, alguns problemas criados nesse período requeriam a sua continuidade. Por exemplo: o que fazer com os prédios de sua propriedade? O que fazer com os pastores que haviam dedicado a sua vida à proclamação daquela mensagem? Como anunciar ao público o fechamento das suas portas e a anulação das suas doutrinas? O que fazer com os membros que haviam sido conquistados?
Nesse impasse, resolveu-se que igreja funcionaria que até que o último pastor aposentasse e o último membro viesse a óbito ou desistisse por si mesmo. Acontece que, para manter o funcionamento enquanto aguardava esse desfecho final, foram contratados outros pastores jovens e para custeá-los foram conquistados outros membros, e dessa forma, percebeu-se que nunca haveria um último pastor e nunca haveria um último membro. Logo, a estrutura organizacional precisaria continuar funcionando e para isso novos pastores contratados e novos membros conquistados.
É dessa forma que a igreja Z ainda existe e continua as suas atividades, mas com objetivos diversos dos objetivos originais. Ela não mais existe para apressar um evento, existe para manter uma estrutura. Não está mais em atividade para preparar alguém para uma recepção especial ao “Rei dos reis”, mas para não admitir o ridículo de ter enganado uma geração. Está em atividade e conquista membros para manter os seus pastores e, enquanto isso, novos pastores vão sendo agregados e o fim das suas atividades, sendo adiado.
Se você, leitor, deseja saber se a sua igreja ainda tem razão de existir fique atento aos discursos. Verifique se eles estão alinhados com os objetivos originais. Alguns indícios de desalinhamento:
A ênfase na arrecadação de fundos, embora sob aura de fidelidade a Deus, de compromisso com a causa, não lhe parece um forte indício de que a igreja busca desesperadamente manter a estrutura?
A dificuldade em conviver com alguém que pensa diferente, que tenta inovar, indica medo de desestabilização estrutural, não sugere medo de que se descubra a fragilidade dos argumentos e objetivos?
Frouxidão nas exigências em relação a comportamento e procedimento ético não sugere descrença com relação aos dogmas?
Às vezes até se fala sobre o assunto, mas aborda-os de forma indireta, em discursos indiretos, inespecíficos. Não tratar de forma específica os temas que angustiam a membresia não sugere nada? Será que essa abordagem não é só para manter a aparência?
A busca por culpar sempre os membros pelo não envolvimento não sugere uma forma de esconder o verdadeiro problema que é a perda e objetivos?
O ataque frequente ao “mundo” como se tudo que não é da igreja não seja bom, embora desfrute-se livremente dos benefícios desse “mundo” não sugere desvio de foco? A igreja não é para mostrar o caminho ao mundo? Como se mostra o caminho: dizendo o que não pode ser feito ou dizendo o que deve ser feito?
Quando há uma supervalorização do trabalho do pastor e pouca delegação de competência não se está protegendo alguém? A preocupação com metas a serem cumpridas sempre visando o aumento do número de membros é indicativo de que? Estratégias de engano tais como oferecer serviços temporários para conquistar novos membros não lhe parece um desvio de rumo?
A lista vai longe, mas o crente atento perceberá nas entrelinhas dos discursos, indícios de preocupação em manter as estruturas e não mais de ajudar o próximo a encontrar uma diminuição nos seus problemas relacionais.
Campo Grande, 20 de dezembro de 2011.
Antonio Sales profesales@hotmail.com
Bom Noite!
ResponderExcluirMe sinto em crise em relãção a este tema, mas aprovo seu comentário quando se trata de mundo...
A religiao existe para tentar fechar lacunas. A religiao existe para tentar responder as perguntas do homem. Como diz um autor: a religiao nada mais é do que uma ciencia frustrada, pois dá respostas para os questionamentos mais inquietantes, mas nao prova nada. E hoje em dia, a religiao virou um empreendimento comercial rentável.
ResponderExcluirAo amigo ânonimo devo dizer que sentir-se em crise é o preço que se paga por pensar.
ResponderExcluirTodos que pensam vivem em crise e é graças a essa crise que novos conhecimentos nascem.
Ao amigo asramos nada acrescentar.
ESta igreja Z parece com uma aqui perto de casa, por nome ADventista, incrível as semelhanças..
ResponderExcluirHoje em dia eles estão com outros interesses, e acho que grande parte do povo tbem Para a elite da igreja é poder, negócio e para o rebanho, clube social..
Olá César. Obrigado por participar.
ResponderExcluirEste autor não pretende identificar pessoas ou instituições. Nosso objetivo é expor e debater ideias, mas cada leitor é livre para estabelecer as suas relações.
Algumas religioes criticam o Papa por se achar o representante de Deus aqui na terra. Mas essas mesmas religioes se colocam como intermediárias entre Deus e o crente, pois quando o irmao, por algum motivo, deixa de frequentá-la, é tratado como um desviado e longe de Cristo. É uma tempestade de hipocrisia, mas velada para o crente cego.
ResponderExcluirMuitas pessoas criticam sem saber o que realmente procede, o Papa nunca foi e nunca será o representante de Deus, ele representa Pedro.
ExcluirComo a religião que perdeu o seu objetivo manterá o seu poder se não agir assim? Se não intimidar revela a sua fraqueza.
ResponderExcluirGostaria de entrar neste debate com a seguinte idéia:
ResponderExcluirQuando tratamos de religião, logo assimilamos a cristianismo, Mas o cristianismo é apenas uma das grandes religiões existentes no mundo.
Dentro do cristianismo há igrejas, ou denominações, que são as quais creio que foi o alvo do texto em questão.
Tenho várias oticas quanto ao "por que existem estas denominações", dentre elas o fato de pessoas terem interpretações diferentes sobre doutrinas.
Mas tenho eu uma visão (sem suporte biblico) diferente do por quê das religiões. Acredito que Deus, no alto de sua sabedoria e misericordia, conhece as limitações de cada um e sabe do coração sincero que seus filhos tem, e os coloca em uma religião onde estes filhos o encontrem e possam achar rumo para o céu. Mas por que Deus faria isso se há somente uma igreja verdadeira? - Deus faria isso pois sabe até a onde cada pessoa pode suportar e, dado a corrupção e dogmatização de "seu povo eleito" aquele filho não aguentaria viver naquele ambiente e se afastaria do Pai.
A igreja verdadeira não é nenhuma instituição nesta terra. Ela será estabelecida por Jesus Cristo e não levará nenhuma placa se não a de vitoriosos e não terá nenhuma organização além da celeste.
Marcos, primeiramente obrigado por postar o seu comentário. Em segundo lugar devo admitir que o título do texto não foi o mais apropriado. Naquele momento não surgiu algo melhor, que deixasse mais claro o pensamento. Na realidade eu queria discorrer sobre o porquê de algumas denominações cristãs permanecem em atividade mesmo após terem perdido a razão inicial ( e talvez a principal) da sua existência. Você captou bem a mensagem. Parabéns e obrigado por ajudar.
ResponderExcluirQuanto ao restante do que você escreve nada tenho a acrescentar. Penso que faz sentido o que você diz.