Ao olhar
ao redor vemos a dor em suas mais variadas formas (frustração, depressão,
acidentes fatais, acidentes com perdas parciais irreparáveis, abandono de
amigos, abusos de crianças, doenças que minam as esperanças e cobrem a vida de
luto apenas em pensar na sua possibilidade, miséria e penúria, corrupção,
alastramento da drogadiçao, traição, cerceamento de liberdade através de
cárcere privado ou ameaças, entre tantos outros). Por outro lado vemos também
opulência, festas regadas a "vinho"
caro, jantares suntuosos, iates de luxo,
latifúndios intermináveis,
exuberância em saúde, felicidade
estampada em rostos sorridentes e mais um indeterminado número de fatores que
consideramos positivos ou sonhos de todos
nas mãos de apenas alguns
Essa constatações levantam uma questão importante: existe justiça no mundo? Não estou pensando na justiça humana, naquela que emana dos tribunais. Penso na justiça que genericamente chamamos de justiça divina ou justiça da natureza.
Essa constatações levantam uma questão importante: existe justiça no mundo? Não estou pensando na justiça humana, naquela que emana dos tribunais. Penso na justiça que genericamente chamamos de justiça divina ou justiça da natureza.
Na Bíblia
essa questão é levantada nos livros de Jó e Salmos. O perverso prospera (nem sempre
só ele) e o justo sofre (também nem sempre só o justo sofre). Esse fato de um
justo sofrer e um perverso prosperar levou Jó a dizer que a vida é injusta.
Mas é
nesse "nem só" que reside o problema. É que parece não existir uma
lógica na distribuição dos males e dos bens. Se não há uma lógica não há como
se prevenir, não há como programar uma vida sem dor e não há como julgar alguém
pela presença ou ausência de dor. Parece que não há um controle, que não ha um
tribunal imparcial, que a luta pelo bem (ausência de dor) é uma luta sem
tréguas e sem previsão de sucesso. Parece que os males da vida caem por acaso
sobre alguém e que os bens que chegam não trazem o prenuncio de ser uma
recompensa.
“Voltei-me, e vi, debaixo do sol, que não é dos
ligeiros a carreira, nem dos valentes a peleja, nem tão-pouco dos sábios o pão,
nem ainda dos prudentes a riqueza, nem dos entendidos o favor, mas que o tempo
e a sorte pertencem a todos” ( Ec
9:11).
É neste
ponto do problema que ocorrem as multifurcações do caminho. Há alguns pontos de
partida para a análise da situação:
Um deles
é pressupor que Deus é impotente para governar o mundo. Esse ponto de vista parece não
ser aceitável para a maioria das pessoas e Deus mesmo o refuta em Jó, mas um
escritor judeu, após ler Kushner, afirmou: “Se é isso o que Deus é, por que Ele
não renuncia e deixa alguém mais competente ocupar o seu lugar?”.
Outro
ponto de vista é supor que a justiça de Deus supera o Seu poder. Esse ponto
requer mais esclarecimentos: a justiça de Deis estaria na sua capacidade de imprimir em nós o sentimento de que deve existir justiça no mundo, que devemos lutar por justiça, que
devemos diminuir as desigualdades, combater a dor e defender o bem –estar.
Um
terceiro ponto de vista é o da fuga da realidade presente e construir um
imaginário mundo de paz. Admite-se a impossibilidade de mudar o presente
passa-se a viver sonhando com um mundo naturalmente justo no futuro; mundo onde
Deus exercerá o Seu poder de controle sobre os seres humanos eliminando os
injustos e recompensando os justos. É justiça por eliminação, por coerção, por recompensa.
Considero
este terceiro ponto de vista como fuga da realidade porque estimula o
conformismo, a aceitação "pacifica" (com o sentido de passividade)
dos males, a indisposição para a luta (luta entendida como busca, elaboração de
propostas, tentativas). Essa perspectiva
estimula uma aceitação hipócrita da realidade por muitos e a aceitação
inconsequente, covarde, por outros. Essa doutrina estimula a nulidade
individual e o esfacelamento das instituições porque propõe que cada um viva
por si, salve-se como puder ou que simplesmente se submeta e aceite o seu
"karma", a sua desventura de ter nascido aqui. As igrejas que pregam
curas e prosperidade pertencem também este grupo porque ignoram as injustiças
sociais e estimulam a negociata com Deus e a busca por um mediador que saiba
domar a divindade.
Sobre o
segundo ponto, Yancey escreveu que o rabino Kushner, após a morte do filho,
teria dito que "Deus enfrenta dificuldades
para manter o caos sob controle" e acrescenta que Ele é "um Deus de justiça, não de
poder".
Curioso é
que nos últimos capítulos do livro de Jó (Jó 38-41), Deus faz Sua defesa, mas
Ele defende o seu direito de ficar “calado”, isto é, de não Se explicar. Deus
descreve longamente o Seu poder para Jó, mas não disse por que não o usou em
benefício do seu servo. Não diz por que viu o sofrimento de Jó e não fez nada
tendo todo poder à sua disposição. Ele apenas diz que nada sabemos.
Um quarto
ponto de vista e que me parece mais plausível é que Deus quer construir um
mundo justo, mas não pela força, pelo cerceamento da liberdade. Essa justiça
não deve ser imposta ou praticada apenas por que Deus ordenou. Ele permite que
todas essa coisas nos advenha para que aprendamos a administrar os conflitos,
conviver com as diferenças, lutar pela justiça, exigir direitos e entender que
o outro também tem direitos, inclusive o de esperar que cumpramos os nossos
deveres. Deus não quer um mundo de justiça retributiva ou de punição, quer uma
justiça de equidade.
A justiça
de equidade é construída e Ele quer que a construamos. O mundo está sendo
administrado por nós e a “Nova Terra” de que fala o Apocalipse será dos que
aprenderem a viver em equidade..
Campo
Grande, 11 de julho de 2013
Antonio
Sales profeslaes@hotmail.com
Citações
extraídas de:
YANCEY,
Philip. Decepcionado com Deus. São
Paulo: Mundo Cristão, 2004, p. 187.