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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

“PODE CAIR O MUNDO”?


Não gosto muito de escrever sobre música. Não quero dar a impressão de que entrei na onda de supervalorizar o papel dela  na adoração. Vejo-a apenas como um fator  constituinte do culto. Minha preocupação é com a educação, isto é, com os valores que são transmitidos pela igreja, pela música, pelo sermão e por todos os componentes da vida religiosa em geral.
No texto intitulado “O cristão: forasteiro ou residente” questionei a contribuição educativa de um hino clássico e hoje quero questionar a contribuição de uma música contemporânea.
O refrão ou a parte mais repetida da música diz: “Pode cair o mundo estou em paz”. Ela foi composta por dois nomes conhecidos e respeitados pela competência técnica e teológica e também pelo bom gosto na composição de suas músicas.  Por essas razões suas músicas fazem muito sucesso entre os jovens.
Lendo a letra dessa música percebe-se que os autores tinham a intenção de reforçar a necessidade de se confiar em Deus. A minha preocupação está com a escolha da parte onde recai a maior ênfase: “Pode cair o mundo estou em paz”.
Como se sabe essa é a parte de uma música que mais se repete e, normalmente, é a que fica gravada na memória dos ouvintes; daqueles que “cantam no banheiro”. Normalmente esse “cantor” grava somente essa parte que acaba sendo  repetida dezenas de vezes e a frase fica fora do contexto. É com base nesse fator que teço algumas considerações à referida música e me atrevo em dizer que ela é, pedagogicamente, imprópria para ser usada em reuniões de jovens ou no culto.
Uso raciocinar tomando por base fatos concretos. Quando estes não existem crio um, hipoteticamente. Neste caso imaginei um dentista dormindo tranquilamente quando, lá pelas tantas da madrugada, o telefone toca. Ao atendê-lo ouve do outro lado da linha  a minha voz dizendo: “ Doutor, meu filho acordou com uma lancinante dor de dente. Está com aproximadamente uma hora que vimos tentando, com os nossos próprios recursos, diminuir a intensidade da mesma para que se possa esperar o amanhecer do dia. Nossos recursos se esgotaram e ele está ficando desatinado de dor. Se eu levá-lo aí o senhor o socorrerá?”
Imagino agora o dentista respondendo: “deixe-o gritar de dor estou em paz”.  Em outras palavras: como dentista eu e minha família estamos livres desse incômodo e vou dormir em paz.
Temo que seja esta a mensagem que ficará gravada na memória dos ouvintes desses “cantores” de segunda ordem. Temo que esteja sendo transmitido um valor  não cristão: a acomodação diante da desgraça alheia. Que esteja sendo incentivado o cruzar dos barcos e sorrir diante da tão propalada miséria do mundo.
Alguém poderá questionar dizendo que como cristãos devemos mesmo ter paz em meio à “trovoada”. Tenho dúvidas. Será que devo ficar em paz se o meu vizinho está sendo atingido por algum “raio”?
Jesus chorou sobre Jerusalém (Mt 23:37) porque os seus habitantes rejeitaram todas as oportunidades que lhe foram oferecidas. O Mestre não ficou em paz enquanto a cidade corria risco de perdição. Deus, quando viu a humanidade mal orientada pelo judaísmo, mesmo sabendo que a Sua reputação não seria abalada perante o universo, não ficou “em paz”. Não cruzou os braços. O apóstolo Paulo desejou, ansiosamente, levar os judeus aos pés de Cristo. Não conseguiu e foi pregar aos gentios, mas ele não ficou em paz com a rejeição dos seus compatriotas (Rm 9:1-3).
Um cristão, portanto, não pode ficar em paz enquanto o “mundo cai”. Ainda que ele esteja seguro de que a queda do mundo não o afetará (e creio que seja a mensagem que a música quer transmitir). Penso que ele não poderá dormir em paz enquanto os seus irmãos correm perigo. Quando escrevi sobre isso no texto já citado penso que deixei claro que e a minha preocupação é que incentivemos o cultivo de uma atitude de comodismo diante das aflições dos outros.
Preocupa-me pensar na religião com uma fuga dos problemas sociais porque, se isso acontecer, a igreja perderá a sua razão de existir. Não será justo ela arrecadar dinheiro, que poderia ser gasto para investir no preparo de pessoas, e usar em benefício próprio. Não seria correto recrutar jovens e depois não devolvê-los preparados para ajudar os que correm perigo. A religião não pode ser uma fuga.
Sei que alguns pressupõem que a igreja tem somente que pregar o evangelho, mas um evangelho que não me torna humano não é útil. Ser humano, na minha perspectiva, é olhar pela “janela”,  ver o que se passa lá fora, recolher-se  por alguns momentos enquanto se traça um plano de ação e então abrir a porta e partir para a luta em favor do outro. É isso que eu chamo de “serviço” só oferece serviço quem não está “em paz”.
Voltando à música em pauta. Confesso que acho-a bonita e gosto de ouvir a repetição mas, como educador, sinto-me no dever de ir além de um simples expectador. Devo preocupar-me com as questões pedagógicas. Estou preocupado com os valores que ela transmite.
Campo Grande, 20 de outubro de 2011.
Antonio Sales           profesales@hotmail.com

11 comentários:

  1. Pios bem, precisaria ver esta música no contexto completo para entende-la melhor. Ma gostei da sua inquitação.

    fique na paz amigo...Estou acompanhando seu blog

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  2. Professor, admiro sua preocupação, mas vou deixar aqui uma opinião bem pessoal, o sentido de "pode cair o mundo, estou em paz", para mim é q a Paz que Jesus me deu me faz confiar completamente Nele e que as tribulações e provações que passo posso entregar a Ele e fik em paz ou seja pode "cair o mundo para mim" que eu sei que Ele cuidará de tudo, tendo essa paz e essa confiança sinto o amor de Deus em mim e mais do nunca tenho a necessidade de passa lo adiante sendo assim jamais deixaria de ajudar o meu próximo, de sofrer com ele, de lutar as suas lutas apenas para que ele sinta a mesma paz que eu sinto para que ele veja o grande, puro e eterno amor de Deus sendo assim a música não passa nada de mais...

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  3. Eu concordo com a pessoa que escreveu antes de mim.
    na situação do dentista por exemplo, acredito que movido pelo sentido real da frase "pode cair o mundo estou em paz", ele se levantaria, iria ajudar o necessitado, e se sendo necessitado financeiramente também, o dentista além de acordar de madrugada pra ajudar, ainda daria desconto ou faria de graça. Se movido pelo sentido real da letra da musica. Porque ele nao se importaria com o dinheiro, com bens financeiros, ele apenas se importaria em ajudar, que se exploda os bens financeiros comprados em cima de clientes que necessitados. pode cair o mundo que ele estará em paz. em paz consigo. em paz com Deus. esse ponto de vista levantado no texto, é muito diferente, tanto que jamais cheguei a pensar nele. e qualquer que ouça alguem cantando somente essa frase, ha de levar em consideração o comportamento de quem a canta, que nao deve ser condizente com uma pessoa apática que fica de braços cruzados enquanto o mundo desaba. Credítos ao comentarista acima.

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    1. Antonio e B.H. Agostinho diante de diversas estatísticas encontradas divulgadas em tantas mídias, como a pesquisa realizada recentemente pela Veja em que demonstra a grande dificuldade das pessoas em ser caridosas, mas agir mais por interesse. Não creio que encontremos algum dentista que se levantaria na madrugada por mais aflito que uma pessoa esteja com a dor de dente para fazer caridade. É mais provável que todos os dentistas levantarão de seu aconchegado leito de descanso para atendeer o desesperado paciente, mas com um detalhe a consulta será bem mais cara que se o problema fosse durante o dia. Digo isso porque já passei por essa experiência e em todas elas o interesse financeiro estava acima do de ajudar. Eu concordo com o pensamento do Profº Sales e é preocupante de que o refrão incite a acomodação diante de tanta miséria e desolação e acrescento que é egoista o pensamente de que "pode cair o mundo e eu estou em paz". O pensamento por mais que as estrofes da música não queira transparecer isso, mas que no seu refrão reflete este egoísmo...ou seja...eu estando em paz, "que se dane" o resto. Precisamos refletir bem o que estamos dizendo para não incorrer no erro de achar que estamos fazendo uma coisa certa, mas que no fundo reflete pensamentos que nos separam de Deus e de nosso próximo.

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  4. Olá amigos.
    Fico feliz com a participação de vocês. É isso mesmo todo texto permite múltiplas interpretações. Fiz a minha e vocês fizeram a de vocês. Sem problemas. Opinar também é uma forma de se exercer a cidadania e não permitir que o mundo, simplesmente, caia.
    Ficam as perguntas: É possível ter paz com Deus enquanto o mundo cai, um tsunami arrasa ou um furacão nos abate? Deus fica em paz consigo mesmo enquanto os homens se perdem? Essa paz com Deus enquanto o mundo cai não é apenas uma paz teórica? É possível vivenciá-la? Por que será que Jesus bradou na cruz e suou sangue no Getsêmani? É possível ter paz com Deus em meio à turbulência que leva tudo ou diante do sofrimento do meu irmão sem estar alheio ao que se passa ao redor?

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  5. O Profº Sales sempre pontua as coisas de forma inteligente e com palavras bem colocadas. Concordo com o pensamento dele e acrescento que precisamos criticar mesmo nossas músicas. Isto porque tem aparecido cada coisas, que as pessoas nem estão percebendo o que estão cantando e a mensagem que estão transmitido. Existem músicas hoje com profundos erros teológicos que para o bom estudante da bíblia, ficam incomodados com o que ouvem. Precisamos refletir mais no que estamos ouvindo e não ser levado somente pela "bela" melodia que, conforme diversos estudos já comprovaram, leva-nos a um estado de torpor sâtanico que não conseguimos visualizar mais o que sagrado e o que é profano.
    Vamos ficar atentos.

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  6. Olá amigo Filiú.
    Às suas oportunas palavras acrescentado que Jesus nos orientou a sermos vigilantes, isto é, estarmos atentos a tudo o que fizermos, cantarmos, pregarmos ou deixarmos de fazer. Nem sempre há, em tudo isso, a neutralidade que pensamos existir.

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  7. Olá Sales, primeiramente quero parabenizar seus escritos. A facilidade com que consegues explicar, o que muitas vezes achamos inexplicável, nos conduz a uma leitura acessível e prazerosa.Muitas coisas passam por nós, sem que nos demos conta que muitas vezes é preciso prestarmos mais atenção onde e como isso está influênciando. Diante disso, penso que realmente temos que nos preocuparmos pedagógicamente com o que está sendo escrito e lido, principalmente pelos jovens.Infelizmente, nos deparamos com pessoas querendo manipular o pensar do outro. Beijos. Mariza

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  8. Olá Mariza
    Obrigado por suas palavras
    Espero estar contribuindo

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  9. Concordo plenamente com suas palavras professor Sales. Me ajudou a "vigiar mais naquilo que entra em meus ouvidos". Abraços.

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  10. Larissa, tenha um bom final de ano e que 2016 lhe traga muita bênçãos.
    Obrigado por valorizar o meu texto.

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