Penso ser
um debate infrutífero tentar contrapor a criação à evolução das espécies. Elas não
se contrapõem e nem se complementam. São diferentes. Não são como o homem e a
mulher, por exemplo, que em alguns
aspectos são opostos e até se intimidam e em outros se atraem e se complementam
formando uma dupla saudável.
Criação e
evolução partem de pressupostos diferentes e o curioso é que ambas parecem
responder satisfatoriamente algumas questões e deixam a desejar com relação a outras.
Como explicar a origem da vida a partir do nada, em um remoto passado, se hoje
nem partindo de tudo que temos conseguimos produzi-la? Como explicar certas
complexidades que muitos biólogos destacam em suas observações, como o olho, as hemácias e o
próprio ato da fecundação sem pensar em um planejador?
Por outro
lado como pensar na existência dos pinguins
e outro animais polares se, segundo os criacionistas, no mundo original não
havia desigualdade de temperatura na
terra e a mutação dos seres vivos não ocorre?
Como explicar as etnias, tão diferentes uma da outra, se todos vieram de
um único casal e se não há mutação adaptativa?
Parece que
uma explica melhor a origem e a outra explica melhor a continuidade, mas nem
por isso se complementam. Uma não aceita a explicação da outra e remoem
sozinhas os seus próprios dilemas.
Já
tivemos embates ferrenhos entre evolucionistas e criacionistas, mas hoje estão
mais acomodados, estão aceitando as limitações de cada teoria. De vez em quando ouço um evolucionista se
mostrar admirado quando afirmo que sou criacionista. Ele acha um absurdo eu
aceitar essa teoria. Por outro lado vejo, mais frequentemente ainda, criacionistas
atacarem a evolução e até se mostrarem avessos quando me posiciono que a
criação não explica tudo.
Parece
que minha posição conciliadora os irrita. Talvez me achem inseguro, ou indeciso,
alguém que quer agradar todo mundo. Na realidade tenho conseguido desagradar ambos
os lados. Para os evolucionistas eu sou criacionista demais e para os criacionistas,
sou evolucionista demais. Eles admitem que as duas teorias são irreconciliáveis
e acham difícil alguém ora se posicionar de um lado e ora do outro. Uma teoria tem
o poder de intimidar, inibir a pesquisa, e a outra, o poder de justificar as
guerras. Se levadas a sério uma contribui para a produção de hipócritas e a
outra, de agressivos.
Não tento
harmonizar as duas, apenas vejo que nenhuma responde plenamente as minhas
questões. Hoje não tenho certeza de nenhuma das duas.
Tenho me
posicionado dessa forma porque ando com certo receio das pessoas cheias de
certezas, das chamadas "cabeças bem feitas". Esse pessoal é perigoso, provoca
guerras, produz "ferimentos"
sem consideração para com a dor do outro. Uns matam em nome de Deus e outros,
em nome da preservação da espécie.
Não quero
morrer em nome de nenhum dos dois por isso fujo dos extremos, das certezas absolutas, dos fundamentalistas,
das "cabeças bem feitas". Navego no leito do rio, longe das margens.
De vez em quando ancoro em uma delas para algum "abastecimento"
necessário e logo volto para a amplidão onde a água é mais profunda. As questões
que levanto são: por que certos cristãos
criacionistas atacam tanto a evolução? Por que certos evolucionistas atacam a
criação e os criacionistas?
Penso que
Paul Tournier explica quando diz que um motivo para neurose é quando insistimos
em reprimir algo que não conseguimos
eliminar.
A
insistência em combater a evolução tem indicado que muitos cristãos vivem a
neurose de tentar reprimir aquilo que não conseguem eliminar (TOURNIER, 2002,
p.26). A oposição dos evolucionistas e a resistência em dialogar com a criação
indica que percebem alguma fragilidade na sua teoria. Se a criação se
fortalecer porá em risco a teoria oposta? E se a evolução se fortalecer os criacionistas temem perder a
fé?
Nenhuma
das duas teorias responde plenamente as minhas questões, por isso sou criacionista. Nasci criacionista,
tenho afeição por essa teoria e como ela contém tantas fraquezas e tantos
pontos fortes quanto a outra fico em ela mesmo.
Ser
criacionista implica crer em Deus. Creio em Deus porque a não crença traz um
vazio maior. As questões que não resolvo com Ele também não resolvo sem Ele. Se
a presença Dele me ajuda pouco a Sua ausência me ajuda tanto quanto ou menos.
Portanto,
sou criacionista por um ato de fé. Em termos de origem ela me satisfaz melhor.
Em termos de continuidade e para explicar a diversidade tenho simpatia pela evolução.
Respeito ambas e deixo os adeptos de cada uma defenderem-se como puderem, desde
que não ataquem os adeptos da outra.
Antonio
Sales
profesales@hotmail.com
Nova
Andradina, 24 de março de 2013.
TOURNIER,
Paul. Mitos e Neuroses: desarmonia da vida moderna. São Paulo: ABU Editora;
Viçosa: Ultimato, 2002
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